As
crianças nascem gostando de matemática. Os professores é que se encarregam de
acabar com isso."
A ambição de Marcelo Viana, 53,
novo diretor do Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada), no
Rio, é fazer com que os anos de 2017 e 2018 componham o Biênio da Matemática no
Brasil.
Em 2017 o país sediará a
Olimpíada Internacional de Matemática, que deve trazer mais de mil dos jovens
mais talentosos do mundo na disciplina. Em 2018, o maior congresso do mundo
também será no Rio, com cerca de 5.000 pesquisadores estrangeiros e
"estrelas" da matemática.
Para Viana, que assumiu o novo
cargo em dezembro, essa é a chance que a matemática terá de se recuperar no
quesito "relações públicas" e também uma forma de reforçar sua
importância no país.
Segundo ele, vivemos hoje um
paradoxo: apesar de o Impa ser uma instituição de pesquisa de ponta e de termos
um brasileiro como ganhador da Medalha Fields, o Brasil patina na educação
básica e a formação de professores nas licenciaturas é
"catastrófica". "As crianças nascem gostando de matemática. Os
professores é que se encarregam de acabar com isso."
Viana espera que sua gestão à
frente do renomado instituto de pesquisa sirva para dar a "direção"
de mudança de um país, no qual 40% dos alunos não conseguem entender nem o
enunciado de uma questão de matemática e onde só 4% estariam aptos a trabalhar
com tecnologia.
O matemático Marcelo Viana,
53, no Impa, no Rio
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VALORIZAÇÃO DA MATEMÁTICA
Hoje, a função que tenho e me
dá mais trabalho é organizar o Congresso Internacional de Matemáticos. São
5.000 participantes de 120 países diferentes. E essa experiência tem um efeito
muito grande no país organizador. É um investimento grande de esforço e
dinheiro, mas tem um retorno importante sobre como a matemática passa a ser
vista.
Tem gente que diz que a
matemática no Brasil é um paradoxo, porque ao mesmo tempo temos um Medalha
Fields [maior láurea científica do país, concedida a Artur Ávila, pesquisador
do Impa] e um dos piores desempenho na educação básica.
O paradoxo tem explicações.
Começa com o fato de que a matemática é uma desconhecida, uma incompreendida na
nossa sociedade. A meta de quem organiza o congresso é ter um instrumento para
mudar isso. Começa nas famílias. O que a criança tem de contato com os pais é
pouco. Aí vai pra escola com carências de instalações físicas, de recursos, de
tempo, de formação dos professores.
Nossa experiência diz que todas
as crianças pequenas gostam de matemática. São os professores que se encarregam
de acabar com isso.
Nós queremos ajudar nesse
quadro catastrófico, mas não podemos resolver os problemas do país. Podemos
atuar no nível de disseminação de conhecimento, de consciência de que a
matemática é importante, útil e necessária.
MEDALHA FIELDS
A Medalha Fields teve um
alcance extraordinário nesse sentido. Agora é preciso chegar mais perto, porque
a medalha está lá na ponta.
Quando o Artur [Ávila] ganhou a
medalha, eu insistia que o Brasil tinha se habituado a ter heróis no esporte,
na música. E o Artur é um herói inesperado, que apareceu alguns dias daquele
fatídico 7 a 1. Precisamos nos orgulhar de outras coisas, ainda mais quando as
tradicionais nos puxam o tapete.
Temos um garoto-propaganda que
funciona e que está muito disponível pra ser usado como tal. Ele até sente uma
certa dívida com o Impa porque sabe que não ganhou sozinho. Se a realidade está
mudando por causa disso eu não sei. Mas é na comunicação que estamos mais
limitados.
BIÊNIO DA MATEMÁTICA
Estamos com uma iniciativa no
Congresso Nacional para declarar 2018 como o Ano da Matemática no Brasil, para
ajudar na divulgação e a coordenar esforços. O congresso de matemática é em
2018, mas em 2017 o Impa organiza outro grande evento, a Olimpíada Internacional
de Matemática, que é a "Copa do Mundo" das Olimpíadas de Matemática.
O projeto que está tramitando
no Congresso se chama Biênio da Matemática 2017-2018, que seria uma ação
formal, já aprovada na Câmara.
Na nossa visão, esse Biênio da
Matemática é um guarda-chuva para os jovens entenderem que a matemática é usada
o tempo todo.
Nós temos um problema de
relações públicas na matemática: o que a gente faz não se vê. Quando você vê
uma máquina construída por um engenheiro ou um prédio construído por um arquiteto,
você bate palminha pro arquiteto e tudo mais. O que fazemos é meio invisível,
mas por outro lado é fundamental.
TECNOLOGIA
O foco do Impa é pensar no país
também do ponto de vista produtivo. A tecnologia não é uma área em que o Brasil
seja excelente, muito longe disso. Qualquer indicador mostra enormes carências
em formação técnica, em engenharia, em arquitetura. Temos arquitetos famosos e
temos prédios que caem. As carências são óbvias.
Tem o exame internacional do
Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Alunos], que é ranqueado por
níveis de proficiência. É um consenso que o nível 4 é o mínimo necessário para
que se tenha uma profissão tecnológica. Não chega a 4% o percentual dos nossos
jovens que alcançam o nível 4 do Pisa. Quase 40% estão no nível 0.
Analfabetismo total.
SITUAÇÃO CATASTRÓFICA
Para se chegar a um quadro tão
catastrófico, há vários culpados. Certamente a escola e a formação trágica dos
professores são alguns.
A formação na licenciatura tem
problemas gravíssimos na universidades públicas e mais do que gravíssimos nas
instituições privadas. A formação do professor é catastrófica. Temos problemas
estruturais muito grandes. Alguns estão pelo menos sendo equacionados pela Base
Nacional Curricular (BNC). Não estou tomando partido na proposta da BNC, mas
diretrizes são necessárias. Isso não atenta em nada a autonomia do professor.
Nem todo mundo concorda, mas já
disse que na matemática não vale a pena ficar reinventando a roda, porque todos
nós sabemos o que é importante aprender. No final queremos engenheiros que
saibam construir pontes e arquitetos que façam prédios que não desabem. Mas os
problemas vão além da BNC, começa nas famílias, conscientizando que a
matemática não é um bicho de sete cabeças.
Sou matemático profissional,
mas não quero mais matemáticos profissionais. Quero formação nos níveis que o
país precisa. O primeiro nível, que a gente não alcança, é o da cidadania. Se
você não consegue dizer se foi enganado em uma conta, você não é capaz de
exercê-la.
O nível seguinte é o nível do
país que quer ser uma potência econômica. Tem de desenvolver o setor
tecnológico. Um dos gargalos para um país avançar é a formação do operário
industrial.
A dimensão do problema é
enorme, mas o Impa tem a ambição de atuar, não só para descobrir talentos, para
mudar o pensamento em relação à matemática. Dos 500 medalhistas anuais da
Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, se sair um matemático
profissional, está bom. Queremos funcionários de elite na administração
pública.
O que eu estou falando é um
pouco visionário, sonhador. Mas eu tenho os pés no chão, porque estou ciente de
que um instituto com 50 pesquisadores não vai resolver os problemas do país.
Mas ele pode dar a direção.
GABRIEL ALVES e MARIANA VERSOLATO
EDITORA-ADJUNTA DE "COTIDIANO"
Fonte: jornal FSP 28/01/16