Respirar é como viver: tudo ao
mesmo tempo agora
Você pode parar de respirar por um tempo, só até o cérebro te obrigar a
inspirar.
Adoro tudo o
que é complexo e não trivial.
Minha nova fissura é a respiração, ao mesmo tempo
comportamento voluntário ou involuntário, reflexo ou complexo, consciente,
inconsciente ou não consciente.
Começa antes mesmo de a gente
nascer e, quando para, por definição, a gente morre.
Não é preciso lembrar para
respirar, mas é possível começar uma inspiração forçada a qualquer momento
(você acabou de experimentar, não foi?), assim como é possível segurar a
respiração a qualquer momento (de novo, aposto!).
Mas segure a respiração por
muito tempo e outra parte do cérebro mete a mão e força a inspiração —que é
como se morre afogado, com os pulmões inundados de água.
Espirro, tosse,
soluço, vômito, mas também fala, canto, choro, suspiro, sussurro, bem como
beber e comer: tudo isso só funciona porque a respiração é modulada em
conjunto. Como?
A resposta ilustra perfeitamente
uma série de conceitos fundamentais que gosto de ensinar em neuroanatomia.
Primeiro: comportamento é
qualquer ação que em animais é causada por neurônios efetores, como os que
fazem músculos se contraírem.
Se você inspira e expira alternadamente é porque
existem neurônios efetores motores que contraem o músculo do diafragma e
expandem sua cavidade torácica, o que faz seus pulmões puxarem ar para dentro
exatamente como uma seringa cujo êmbolo você puxa –e depois basta soltar o
êmbolo, ou o diafragma, e a seringa (ou o pulmão) se esvazia sozinha.
Segundo: comportamentos correspondem a padrões de atividade
neuronal, impostos aos neurônios efetores por qualquer de suas fontes de sinais
–em geral, pela combinação de todas elas ao mesmo tempo.
O padrão alternado,
repetitivo e periódico de inspiração-expiração impera como o
"default", porque é gerado sem a necessidade de qualquer influência
externa, graças a um circuito de retroalimentação positiva que causa
"ataques" de atividade que se autolimitam e se reiniciam tão logo o
circuito se recupera do "ataque" anterior.
Por isso não é preciso
pensar no assunto para respirar nem lembrar. Pode dormir sossegado que seu
cérebro continua respirando normalmente.
Terceiro: caso você pense no
assunto, no entanto, você sempre pode interromper ou começar na marra o ciclo
de "ataques inspiratórios", porque seu córtex cerebral fala com os
neurônios que organizam os comandos cíclicos dados aos neurônios efetores que
fazem o diafragma se contrair.
Assim você sincroniza sua inspiração com os
movimentos do pilates ou da yoga, por exemplo.
E, por fim, tem todas aquelas
outras coisas que modificam a respiração, como tudo aquilo que você pensa e
sente e nem sabe que pensa e sente mas está pensando e sentindo mesmo assim.
Esses são os mais difíceis de controlar –mas a boa notícia é que, como tudo no
cérebro, é via de mão dupla, dá pra chegar neles através do controle da
respiração! Como? Daqui a duas semanas eu explico...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).