“Durante os últimos dois ou
três séculos, sempre houve esse receio de que as máquinas tomariam conta de
tudo. Dessa vez, pode ser verdade”.
A frase é de Yuval Noah
Hariri e foi dita durante um debate promovido na edição desse ano do Fórum
Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
Todo dia são publicadas
notícias sobre o impacto da internet das coisas, da automação e da IA -
Inteligência Artificial sobre os setores de seguros, financeiro, prestação de
serviços, manufatura e outros.
Pouco se tem falado sobre
como as tecnologias da “Quarta Revolução Industrial”, que eu prefiro chamar de
a “Primeira Revolução das Máquinas”, vão interferir sobre os altos escalões na
hierarquia das empresas e fundos de pensão.
Devido ao rápido
desenvolvimento tecnológico, ao longo dos próximos anos a IA vai começar a
entrar mais fortemente nos conselhos das empresas e porque não, também dos
fundos de pensão.
Não vão substituir o papel
dos conselheiros, num primeiro momento, mas sim melhorar o processo decisório.
Será interessante presenciar
a automação e a inteligência artificial se tornando mais dominante e passando a
tomar algumas decisões nos conselhos.
Há apenas quatro anos, em
2014, um fundo de capital de risco de Hong Kong chamado Deep Knowledge Ventures
(DKV), nomeou para seu conselho de administração um algoritmo chamado Vital
(acrônimo para: Validating Investiment Tool for Advancing Life Sciences).
Vital foi nomeado com direito
a voto, podendo opinar se o fundo deveria ou não investir em determinada
companhia, como faria qualquer outro membro – humano – do conselho.
A habilidade que permitiu a
Vital fazer parte do conselho foi sua capacidade de automatizar o processo de
due diligence e usar conjuntos históricos de dados para detectar tendências que
não são óbvias para os humanos que analisam informações de alto nível e grandes
quantidades de dados.
Vital ajudou a aprovar
investimentos em empresas como Insilico Medicine e Pathway Pharmaceuticals. No
entanto, Vital não votava em todas as decisões do board. Até porque, pelas leis
societárias de Hong Kong, Vital não podia ser legalmente considerado um
conselheiro.
Vital não tomava decisões em
nome do conselho, mas tinha alguma influência sobre o que estava acontecendo.
Era tratado por seus colegas (humanos), como membro do conselho com status de
observador.
Seja como for, Vital foi
amplamente reconhecido como o primeiro conselheiro corporativo criado pela inteligência
artificial, isso é algo fascinante.
Faz-nos pensar se a IA pode
transformar a próxima geração de conselheiros de empresas e fundos de pensão.
Nossa primeira reação é ver
isso como exagerado, inverossímil mesmo. Ocupar uma cadeira em um conselho,
normalmente, requer discernimento na tomada de decisões e visão de negócios que
só podem ser adquiridos ao longo de décadas de experiência no setor.
No entanto, se pararmos para
pensar melhor, vamos perceber que o papel da IA nesse caso seria exatamente
ajudar os conselheiros a tomarem melhores decisões.
Fazer os membros dos
conselhos enxergarem as questões com outras perspectivas, certamente seria algo
valioso para a tomada de decisões.
O custo de decisões ruins é
muito alto e a história recente está repleta de exemplos de decisões
desastrosas de conselhos, e de investimentos equivocados de fundos de pensão.
As transformações no ambiente
de negócios estão ocorrendo num ritmo humanamente (ipsi literis) difícil de
acompanhar.
O IBOVESPA foi lançado em 1968
e naquela época 27 ações faziam parte do índice.
Quarenta anos depois, a
carteira do IBOVEPA é composta por 64 papeis e apenas três nunca deixaram o
índice – Vale, Souza Cruz e AMBEV.
Algumas empresas deixaram de
existir, como a montadora de automóveis Willys do Brasil, a Refinaria de
Petróleo União e a Casa Anglo – antigo Mappin.
Nos EUA estima-se que 50% das
500 maiores empresas listadas pela Revista Fortune deixarão o ranking até 2027.
Sabe-se que ainda são
bastante elevados os índices de fracasso no lançamento de novos produtos, em
tentativas de fusão e aquisições de empresas e estratégias de transformação
digital.
A responsabilidade por
fracassos nas empresas e pelas perdas nos investimentos dos fundos de pensão
recai exclusivamente nos ombros dos conselhos e dos gestores dessas
organizações.
Em 2015 uma pesquisa da
McKinsey mostrou que 16% dos conselheiros não compreendiam plenamente as
mudanças na dinâmica de seus setores de atuação e o impacto que novas
tecnologias poderiam causar em seus negócios.
Vamos combinar: você consegue
dizer, nesse exato momento, qual será a transformação nos próximos 3 a 5 anos
pelas quais passarão os planos de aposentadoria que seu fundo de pensão
administra?
Então, parece fazer sentido
incorporar a IA nas práticas de governança corporativa e nas estratégias das
empresas e dos fundos de pensão.
Numa entrevista recente, Mark
van Rijmenam – fundador e CEO da Datafloq.com – comentou que a IA tem melhor
capacidade de entender o contexto e o ambiente de uma organização.
Ao invés de se basear em uma
quantidade limitada de fontes de dados, formará um quadro mais amplo e preciso
sobre os fatores críticos de mudança nos cenários, influenciando as decisões.
O objetivo não é o de
automatizar ou substituir qualquer processo de decisão, mas sim o de melhorar
as decisões e torna-las menos emocionais e mais baseadas em fatos.
A inteligência artificial não
vai substituir o julgamento, a intuição e experiência dos conselheiros em uma
decisão, mas vai dar suporte mais robusto como uma ferramenta analítica
inteligente.
Ainda existem enormes
desafios com os quais a IA não é capaz de lidar. Assédio, igualdade de gênero e
ética - que muda com o tempo - envolvem questões filosóficas que mesmo nós,
humanos, continuamos a debater até hoje. Sem falar que a IA é baseada em
lógica, não em ética.
Por outro lado, segundo Mark
van Rijmenam, já estamos vendo IA criando sua própria linguagem e desenvolvendo
sua própria IA.
O que pode levar a uma IA
impossível para os humanos compreenderem. Isso, diz ele, precisamos evitar.
Os benefícios que podem ser
obtidos pelo uso da IA nos boards de empresas e fundos de pensão parecem ser
significativos. Se isso pode ajudar a tomarmos melhores decisões, porque não?
Estamos longe do dia em que
teremos “organizações autônomas descentralizadas”, totalmente geridas por
códigos e algoritmos.
Até lá, fico com a frase do
Hariri quando menciona a preocupação que devemos ter com a chegada mais forte
da IA ao nosso dia-a-dia:
“Nós não temos que proteger
os empregos, nós temos que proteger as pessoas”.
Eder Carvalhaes Costa e Silva - Wealth Expansion Leader Brazil at
Mercer Human Resources.