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A vitória de Donald Trump teve o
aspecto positivo de revelar para muita gente que estamos vivendo dentro de uma
gigantesca "bolha" informacional. Várias pessoas nas redes sociais
-logo após a vitória do magnata- afirmavam indignadas no dia seguinte que não
conheciam uma pessoa sequer que tenha votado nele.
O que ninguém imaginava era o tamanho da bolha. A
bolha de distorção da realidade não é mais só um fenômeno das redes sociais. A
vitória de Trump demonstrou que ela engloba instituições inteiras: a imprensa,
as universidades, as organizações não governamentais.
Nenhuma foi capaz de enxergar as condições que
levaram ao resultado da eleição. A bolha engloba até mesmo os mercados. Nem as
Bolsas de Valores nem as de apostas foram capazes de sinalizar minimamente o
que estava prestes a acontecer.
O símbolo mais impressionante disso é o gráfico que
mostrava até as 23h do dia 8 —quando a apuração já havia se iniciado— que a
"chance de vitória" de Hillary Clinton permanecia em 80%, ante menos
de 20% de Trump. Em três horas, esse gráfico, que vinha se mantendo no mesmo
patamar havia meses, inverteu-se completamente.
Identificar quem está na bolha é fácil. Todo o
mundo que acordou em 9 de novembro de 2017 se dizendo "surpreso" com
a vitória de Trump está nela. O mesmo vale para quem afirmou que o resultado
foi "inesperado".
A constatação do tamanho colossal da bolha é um
chamado para a necessidade de reinventar todas as instituições acometidas de
cegueira seletiva, a começar pela imprensa, pelas redes sociais e pelos
partidos políticos. Operar sem considerar a integral complexidade do mundo
tornou-se irresponsável e perigoso.
Outros fracassos vieram à tona. Um deles foi o
fiasco dos sistemas de "big data" (ciência dos dados) para fins
políticos. Desde a primeira eleição de Obama houve um investimento maciço nesse
tipo de tecnologia por parte do Partido Democrata.
A ponto de que suas mensagens políticas começaram a
ser personalizadas para cada eleitor, dependendo de suas preferências individuais.
Já Trump não usou nada disso. Preocupou-se em construir uma mensagem única,
baseada em sentimentos universais simplórios, como o medo.
Ao mesmo tempo, escolheu o Twitter —com seu limite
de 140 caracteres— como principal canal editorial da campanha. A imprensa caiu
no jogo. Qualquer tuíte mais desbocado do magnata era amplificado à enésima
potência por jornais, revistas e TV. Esse baile entre Twitter e a imprensa foi
um dos fatores que mais contribuíram para a disseminação da plataforma Trump.
Diante dos fatos, fica clara a necessidade de o
próprio sistema democrático se reinventar. Nos EUA já surgiu campanha para
eliminar o modelo de Colégio Eleitoral, que permite que um candidato ganhe com
menos votos que o derrotado, como nesta eleição. Tudo isso vale para o Brasil.
Nossos desafios são similares. A bolha está também entre nós
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em
direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte: coluna jornal FSP