O
exame disfarça limitação intelectual de seus autores com proselitismo
politicamente correto
Candidatos chegam para fazer a prova do Enem, no campus
da Uninove, na Barra Funda
Como
acontece todos os anos, questões do Enem renderam polêmica, e lá fui eu analisar a
prova para formar uma opinião. Formei a seguinte: o Enem não é uma prova de
conhecimento ou de interpretação de texto, mas de paciência. É uma prova chata,
que disfarça a limitação intelectual de seus autores (em geral, professores das
universidades federais) com um proselitismo careta e politicamente correto.
Só
um candidato resignado ou muito paciente é capaz de aguentar tanto sermão a
favor de um mundo melhor e das minorias, e um bom-mocismo tão repetitivo contra
o preconceito. Pelos textos que o Enem apresentou este ano, todos os problemas
do mundo são causados pelo lucro e pela discriminação, e todos se resolverão
por meio da tolerância e da agricultura familiar.
Tadinhos dos
candidatos. Na prova deste ano, tiveram que aturar trechos de:
-
Eduardo Galeano criticando o fato de o futebol ter se tornado “um
produto a ser consumido, negando sua dimensão criativa”;
-
Um artigo acadêmico sobre o preconceito no futebol feminino brasileiro;
-
Uma notícia da Carta Capital sobre protesto de participantes do Miss Peru
contra o feminicídio;
-
Uma notícia de O Globo sobre racismo e homofobia na internet;
-
Um texto da Unesco sobre direitos humanos e a Agenda 2030, segundo o qual
"centenas de milhões de mulheres e homens são destituídos e privados de
condições básicas de subsistência";
-
A notícia sobre o dialeto gay, que rendeu a reclamação de Bolsonaro;
-
Um discurso de João Goulart que defende leis trabalhistas.
Poucos
desses textos motivaram perguntas inteligentes ou que exigiram algum
conhecimento útil sobre o uso da linguagem. Fica a impressão de que o objetivo
dos autores das questões é mais a doutrinação (fazer os candidatos lerem um
texto politicamente correto e/ou de esquerda) do que de fato avaliar
a capacidade de interpretação.
Por
exemplo, na questão baseada no estudo “A imagem da negra e do negro em produtos
de beleza e estética do racismo”, os candidatos precisaram decidir se, no texto
em questão, “a função referencial da linguagem” é estabelecida pela
“impessoalidade, na organização da objetividades das informações”, ou pela
“seleção lexical, no desenvolvimento sequencial do texto” ou talvez pela
“nominalização, produzida por meio de processos derivacionais na formação de
palavras”. Haja paciência.
Dá pra entender
a enorme evasão em escolas públicas de Ensino Médio. Não é exatamente excitante
passar três anos estudando para uma prova xarope como essa.
Pior
ainda, para ganhar o ponto de algumas questões, o candidato teve de concordar
com o viés ideológico do autor. A pior pergunta do Enem deste ano se baseia num
texto que dá como certo que a agricultura orgânica é mais ecológica e saudável
que a convencional. A partir daí, o enunciado pede para o candidato escolher
entre diversas alternativas estatistas para favorecer a agricultura
“marginalizada” —subsídios, restrição de máquinas, controle de sistemas de
irrigação. A resposta correta é "regulamentar o uso de sementes
selecionadas".
O
Enem é como um ritual de passagem do Bope ou o trote de fraternidades
americanas. Para ter o direito de entrar numa faculdade, o candidato precisa se
submeter e suportar diversas humilhações. No caso do Enem, precisa ler
“Iracema”, encarar textos feministas desconexos, aceitar que a agricultura
intensiva (que salvou bilhões de pessoas da fome no último século)
é malvadona.
O Enem é uma tortura legalizada
pelo Ministério da Educação.
Leandro Narloch - jornalista, autor de “Guia Politicamente Incorreto da
História do Brasil”. É mestre em filosofia pela Universidade de Londres.
Fonte: coluna jornal FSP