A armadilha da saliência no mercado de ações


Perto de 1 milhão de brasileiros investe diretamente na Bolsa de Valores. São, em geral, investidores não profissionais que compram e vendem ações pela internet e por aplicativos de celular. Investir diretamente na Bolsa é, a princípio, excelente.

Uma pessoa que, pensando em sua aposentadoria, coloca todo mês um pouco de dinheiro em uma carteira bem diversificada de ações está fazendo algo muito certo. No longo prazo, uma carteira bem diversificada tem altíssimas chances de oferecer um retorno bem bom. O dinheiro lá na frente tende a ficar polpudo.

No entanto, muita gente investe em ações da maneira errada. Em vez  de diversificar, concentra.  Em vez de mexer pouco na carteira, compra e vende ações a todo momento (às vezes, todos os dias). Em vez de investir pensando no longo prazo, quer ficar rica logo no ano que vem.

Os investidores que agem assim estão sujeitos a diversas armadilhas que os economistas chamam de vieses comportamentais. Geralmente perdem dinheiro. Uma das armadilhas mais importantes é a propensão a comprar ações que estão salientes. É dela que tratamos neste texto.

A armadilha é simples e traiçoeira. Como investidores amadores não têm tempo para analisar com calma todas as ações disponíveis, acabam prestando atenção àquelas poucas empresas que, por algum motivo, relevante ou não, estão momentaneamente em destaque.


Com todo mundo olhando para o mesmo lugar e querendo comprar a mesma coisa, a arapuca está armada.  A alta demanda faz o preço da ação subir e, quando a saliência acaba, o preço volta ao patamar original. Quem comprou no período de saliência se dá mal.

A eleição de Jair Bolsonaro trouxe um exemplo interessante dessa armadilha.

Forjas Taurus é uma empresa brasileira que vende armas. Entre 2010 e a eleição presidencial do ano passado, a ação da empresa nunca tinha passado de R$ 5,00. Na verdade, desde 2016, ela vinha andando ao redor de R$ 2,00. A partir de setembro de 2018, com a perspectiva de vitória de Bolsonaro, as pessoas começaram a falar muito de armas e, consequentemente, da Forjas Taurus. Falar da Forjas Taurus de fato fazia sentido. Afinal, muito provavelmente, a empresa se beneficiaria com as políticas pró-armas do provável novo presidente. Mas o que aconteceu com o valor da empresa foi brutal.  No espaço de dois meses, entre setembro e outubro, a ação da empresa saiu de R$ 2,00 e foi para R$ 12,00. Um aumento de 500%! Logo após o fim da eleição, a ação já começou a cair novamente. Em dezembro, já estava de volta aos R$ 4,00.

Embora esse enorme movimento de explosão e implosão do preço da ação seja estranho, não dá para afirmar que ele foi causado apenas pela saliência da empresa.

A eleição de Bolsonaro prometia um grande impacto para o mercado de armas. Assim, havia ali um fluxo de informação muito grande (e desencontrado) sobre políticas que poderiam afetar diretamente os lucros da empresa. O enorme movimento no preço da ação pode então ter vindo desse fluxo de informações. No limite, portanto, pode não ter tido nada a ver com saliência.

No entanto, o que aconteceu mais para a frente, isso sim, é revelador. No último dia útil de dezembro, o preço do papel estava em R$ 4,05. Vinha caindo desde o final da eleição. No primeiro dia útil de janeiro, nenhuma nova informação relativa ao mercado de armas apareceu. Mas, curiosamente, o preço da ação começou novamente a explodir. Fechou o primeiro dia de janeiro a R$ 5,98 (ou seja, teve uma alta de quase 50% em um dia) e continuou esse movimento de alta por mais duas semanas. Chegou de novo perto dos R$ 10,00.

Se não houve nenhuma nova informação relevante nas duas primeiras semanas de 2019, o que pode ter provocado essa nova disparada? Um forte candidato é a saliência. Simplesmente com a posse, que todos já sabiam que ocorreria, as pautas do novo governo voltaram com força às rodas de conversas.

Em especial, voltou-se a falar de armas e da Forjas Taurus  . Esse novo auê sobre a empresa pode ter feito o preço de suas ações disparar novamente. Na ausência de outro suspeito, ficamos com este. E, sim, quem caiu na armadilha da saliência se deu mal. Logo depois, já no fim de janeiro, a ação estava de novo abaixo de R$ 5,00.

Fonte: coluna “por quê?”, jornal FSP


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