Reprodução
de vídeo divulgado pelo governo americano
|
Para terminar esse ano, que
considero um dos mais surreais que já vivi, nada mais propício do que a
revelação do governo americano sobre suas pesquisas envolvendo óvnis (Objetos
Voadores Não Identificados). Então era tudo verdade?
No quinto andar do Pentágono, o
gigantesco prédio militar americano, escondido numa área remota conhecida como
"Anel C", o oficial de inteligência militar Luis Elizondo tocava o
Programa de Identificação de Ameaças Aeroespaciais Avançadas. Iniciado em 2007,
o programa tem ainda vários aspectos desconhecidos, classificados pela
segurança como segredos militares.
Numa série de entrevistas com
membros do programa e seus arquivos pesquisados, o jornal "The New York Times"revelou que a iniciativa recebeu ao todo cerca de US$ 22 milhões até ter sido
"fechada" em 2012.
Segundo seu diretor, o fechamento
foi apenas em fundos diretos; ele continuou trabalhando em consultoria com
líderes militares até se demitir em outubro deste ano.
A maior parte dos fundos foi para a
empresa do bilionário Robert Bigelow, amigo do senador Harry Reid, que
conseguiu os fundos do governo. (Pois é, essas coisas acontecem por lá também)
Bigelow acredita não só na
existência de extraterrestres, mas também em visitas deles à Terra.
O programa estudou documentos
relatando a observação de objetos voadores não-identificados,
que aparentemente voavam a altíssimas velocidades e sem qualquer sinal de
propulsão, ou flutuavam sem algum motor ou mecanismo aparente.
Também foram estudados vídeos de
encontros entre aviões militares americanos e objetos não identificados,
incluindo um revelado em agosto contendo um objeto ovalado do tamanho de um
jato comercial, avistado em 2004 perto da costa sul da Califórnia por dois
jatos F/A-18F da marinha americana.
Relatos de óvnis e teorias de
conspiração são bem antigos, um dos mais famosos sendo o incidente em Roswell, no Novo México, em julho de 1947.
Segundo a versão popular, um
"disco voador" caiu, abatido por um caça americano. Pilotos
extraterrestres foram capturados e levados para a famosa Área 51, uma base da
Força Aérea cercada de mistério. Segundo a versão militar, os destroços eram
apenas os de um balão meteorológico convencional. Desde então, a região virou
centro de atração turística, com a estrada de acesso sendo chamada de Estrada
dos Extraterrestres.
No mesmo ano, a Força Aérea
Americana iniciou uma série de estudos que investigaram mais de 12 mil
observações de óvnis. Sob o nome Projeto Livro Azul, os estudos concluíram que
a maioria das observações não passava de estrelas, nuvens, aviões convencionais
ou espiões, embora 701 eventos tenham permanecido sem explicação até o
fechamento do projeto em 1969.
Voltando ao Programa de
Identificação de Ameaças Aeroespaciais Avançadas, pesquisadores investigaram
ligas metálicas que supostamente vieram de eventos aéreos não-identificados,
entrevistaram pilotos que afirmam ter observado aeronaves estranhas, e
examinaram pessoas que dizem ter tido sintomas físicos relacionados com as
observações ou até mesmo ter sido sequestradas por ETs.
Outros países, inclusive o Brasil,
têm uma postura mais aberta com relação à questão dos óvnis.
O interesse militar e popular é
justificável.
Militarmente, se, de fato,
inteligências extraterrestres não só existem como vieram nos visitar, é
essencial investigar suas intenções, se pacíficas ou invasoras.
A imaginação popular também passa
por essas duas possibilidades, mas é ampliada por uma profunda curiosidade de
saber se estamos ou não sós na nossa galáxia ou no universo, assunto tratado aqui e aqui recentemente.
Cientificamente, o interesse também
é enorme.
Saber se existe vida fora da Terra
é uma das grandes questões do nosso tempo. Porém, por sua própria importância,
devemos ter um cuidado enorme ao analisarmos relatos e vídeos de observações ou
encontros com extraterrestres. Afinal, é muito fácil se deixar enganar pela
vontade de acreditar em algo.
Por isso, é importante entender que
os cientistas não são uns chatos que estragam tudo. A gente também adoraria
saber a resposta, e alguns de meus colegas dedicam suas carreiras à astrobiologia,
o estudo da vida na Terra e fora dela. O ponto é que a metodologia científica é
o melhor antídoto contra essa propensão muito humana que temos de nos deixar
levar pelo desejo de acreditar.
O fato é que, até o momento, não
temos nenhuma prova de fato convincente de que ETS estiveram por aqui,
pilotando suas naves estranhas.
Dadas as dificuldades geofísicas e
bioquímicas de a vida existir em algum planeta, as dificuldades de essa vida
ser inteligente a ponto de ter desenvolvido tecnologias de exploração
interestelar e de ter vindo até aqui –sem ter criado um impacto maior ou ter
tentado estabelecer contato–, é extremamente improvável que a melhor explicação
para as observações acumuladas até agora seja uma visita de ETs.
Bem mais viável é que sejam
fenômenos atmosféricos ou cósmicos, ou alguma aeronave que é parte de um
projeto secreto, ou mesmo um objeto voador menos interessante, como um balão ou
um avião militar voando a altas altitudes e refletindo a luz do sol.
Essa conclusão não desmerece o
interesse no assunto. Afinal, somente quando tentamos achar algo é que temos a
chance de encontrar. Por outro lado, queremos ter certeza de que o que
encontramos é real e não fruto da nossa vontade de acreditar
Marcelo
Gleiser -
professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA).
Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'.
Fonte:
coluna jornal FSP