Como chegar bem além dos 100?
Série
sobre longevidade, saúde e direitos da população idosa chega ao fim após dois
anos.
No final de setembro de 2020, fui convidado
pela Folha para atuar como curador de uma série, parte dos
projetos da corrida rumo ao centenário do jornal, a Como Chegar Bem aos 100.
Chegamos lá. O centenário foi celebrado em fevereiro de 2021.
Mas seguimos, semanalmente, abordando temas que, no
conjunto, ajudam-nos a alcançar a longevidade com qualidade de vida.
Aqui estamos, todo um ano após o longevo jornal ter
completado seu centenário. No nível individual, um marco que poucas pessoas
atingem.
Mas isso vai mudar. Na verdade, já está mudando.
Muitos mais jovens de
hoje chegarão aos cem e além que os da minha geração.
Como meus netos, de quem falei em alguns dos quase
80 textos destes 18 meses.
Annabelle, à véspera de seus 5 anos, e Dylan, que em breve completará um ano.
Eles
têm grande chance de ultrapassar os 100. Não serão feitos extraordinários,
considerando os centenários da família.
Mas sabemos que longevidade não depende só de
escolher bem sua família.
Os determinantes sociais da saúde e nossos
estilos de vida, ancorados em políticas que tornem as opções mais saudáveis as
mais fáceis, acessíveis e baratas, respondem por 75% da chance de chegar bem
aos 100 —e além.
Ao longo destes 18 meses, testemunhamos a maior tragédia sanitária de nossa história,
acompanhada por um verdadeiro tsunami de preconceito e discriminação.
O idadismo deixou de ser velado, o último grande
tabu expôs sua face perversa escancaradamente.
O que nos tocou não foi apenas uma pandemia, e sim
uma sindemia: uma superposição de crises muito além da sanitária, foi também
econômica, ética, social e moral.
Estamos em pleno ano eleitoral. A sociedade civil
—sobretudo a nossa, brasileira— logrou um feito extraordinário nos últimos
meses.
Gritando muito, fazendo barulho e mostrando, por meio de evidência
científica, quão equivocada era a decisão, impedimos que a OMS (Organização
Mundial da Saúde) incorporasse "velhice" no código da
Classificação Internacional de Doenças na versão que entrou em
vigor em janeiro.
Foi uma grande conquista que muitos não acreditavam
possível. Em particular, uma vitória contra o idadismo implícito na proposta.
A vitória nos deu ímpeto. Seguiremos adiante ainda mais determinados.
O grupo
responsável pela conquista se expandiu revigorado.
Do nome Velhice Não É Doença, reinventamo-nos como Velhices Cidadãs 2.0. Sim velhices, no
plural, pois são muitas as velhices.
Acima de tudo, exigindo plena cidadania.
Acrescentamos o 2.0 como sinal da evolução de ideias e do diálogo com o jovem
de hoje, aspirante a ser o velho de amanhã.
Elaboraremos uma carta à nação dirigida a todos candidatos, de todos os
partidos.
Terá aquilo que nós (longevos de hoje) e aqueles que acompanham nossa
jornada, preparando as suas, esperamos e iremos cobrar. Seja quem forem os
eleitos, sejam quais forem seus partidos.
Seguiremos suprapartidários, sem abdicarmos de nosso ativismo político.
Determinados. Afinal, o que eu mais desejo é que você, jovem que me lê, aspire,
confiante, a chegar bem, muito além dos 100.
Que é o meu desejo para minha
Annabelle, para o meu Dylan. Adelante!
Alexandre Kalache - médico gerontólogo, presidente do Centro
Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)