Neologismos
com 'zação' costumam ser pejorativos; temos agora um para chamar de nosso.
Nosso país está famoso. Pelas razões erradas.
A
revista American Affairs publicou um artigo, do escritor Alex
Hochuli, que tem sido chamado de “arrebatador”.
O título é
justamente “The Brazilianization of the World”.
O argumento é que o mundo está enfrentando
problemas estruturais: o aprofundamento irreconciliável do fosso entre ricos e pobres.
O desmonte de
instituições e de infraestrutura capaz de beneficiar a população como um todo.
A ampliação da atuação governamental que se especializa em atender somente ao
segmento mais rico da população.
O declínio da capacidade de planejamento de
longo prazo. Em suma, características típicas do nosso país que agora aparecem
fortes no mundo desenvolvido.
Hochuli não é novato nesse debate. Além de viver no
país, ele é autor do livro “O Fim do Fim da História”, publicado pela Zero
Books, editora que funciona como um balão de ensaio do pensamento contemporâneo
da atualidade.
Não por acaso ele abre com a citação “a periferia é onde o
futuro se revela”, do filósofo Mark Fisher, morto em 2017 e que, na visão deste
colunista, é quem melhor anteviu o mundo que estamos vivendo.
O termo “brasilianização” também não é novo. O
próprio Hochuli faz um histórico do seu uso. O termo apareceu no seminal
romance “Geração X”, de Douglas Coupland, para descrever “o abismo crescente
entre ricos e pobres”.
Ou no fim dos anos 1990 na obra do sociólogo Ulrich
Beck, para se referir ao fenômeno do desaparecimento dos empregos, substituídos
pela informalidade.
Eduardo Viveiros de Castro, nos anos 2000, também
falava que nosso país era mesmo o “país do futuro” de Stefan Zweig, não porque
despontaria, mas porque o mundo se tornaria parecido conosco (“tudo será
Brasil”, nas palavras dele).
A crise da Covid-19 expôs essa realidade,
seja pela tragédia das mais de 600 mil mortes nos EUA, seja na reação
atabalhoada da Europa e da Inglaterra à pandemia. Hochuli mostra que o termo
“brasilianização” foi só acumulando cada vez mais significados, todos
negativos.
Nesse contexto, a expressão seria “nosso encontro com um futuro
negado, no qual a frustração torna-se constitutiva da realidade social”.
A repercussão do artigo tem acontecido no Ocidente
e no Oriente.
Lá a discussão é que países como a China e o Vietnã estariam
funcionando como contrapontos, haja vista o esforço bem-sucedido em conter a
pandemia e as mortes.
Basta lembrar que os 10% piores alunos do Vietnã no exame
Pisa correspondem aos nossos 10% melhores alunos no Brasil.
O artigo de Hochuli dá pistas de que o antídoto à
brasilianização seria o esforço de integrar a população como um todo às
vanguardas produtivas (na linha do que propõe Roberto Mangabeira Unger),
inclusive a participação na economia do conhecimento.
Além disso, a criação de
serviços públicos e infraestrutura capaz de atender a todos. E uma nova
governança, superando a simbiose elite e Estado.
Em português, neologismos que terminam com “zação”
costumam ser pejorativos. Foi assim com termos como “orkutização” ou
“gourmetização”. Temos agora um “zação” para chamar de nosso.
RONALDO
LEMOS - Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP