Como a ansiedade acabou me conduzindo ao álcool
Alcoolismo não é
só sobre o álcool, e sim uma sequência de situações extremas; a saúde mental
está no topo delas
A ansiedade me acorda todos os dias. Sinto
um sufoco no peito, meu coração dispara, meus pensamentos ficam divagando no
passado, muitas vezes lamentando o que fiz, e outras vezes no futuro,
imaginando o que vou fazer e o que possivelmente não vou ter tempo de fazer
nessa vida. Isso por volta das sete horas.
Acordo já com a sensação de que minha cabeça está
participando de uma reunião com mil pautas urgentes e desorganizadas.
A mais
recorrente é a que eu sou a pior pessoa do mundo por ter feito x, y ou z. Não
só na época das bebedeiras, mas agora em recuperação também.
E até eu "descobrir" que eu não sou a
pior pessoa do mundo, o xadrez mental já me cansou tanto a ponto de me deixar
esgotada. Aí minha mãe liga.
Bom dia, tudo bem?
Estou cansada.
Nossa, mas o dia mal começou.
POIS É.
Com
as redes sociais a reunião da minha cabeça ganha uma velocidade bem acelerada.
A tal da vida online de 24 horas me consome antes mesmo do café. Fico na tela
sem ao menos levantar da cama, o que costuma acontecer às sete e meia, oito.
A
sobriedade me devolveu a vida diurna que eu não tinha mais.
Então levanto,
preparo meu café da manhã (novidade da vida sóbria) e enquanto curto o café,
enfrento um inimigo cruel: o vitimismo.
É isso, sou vítima de uma doença
chamada alcoolismo mas não posso ficar me vitimizando.
Pensamentos
como "Coitada de mim, bebi muito e fiz muitos estragos",
"Ninguém me entende", "Nunca vou conseguir fazer nada
legal" costumam ser corriqueiros na cachola.
Aí entro com as ferramentas
que adquiri no meu tratamento e faço de tudo para mudar o rumo da mente.
Me
troco, boto um tênis, pego meu cachorrro e vou caminhar por pelo menos 30
minutos num ritmo acelerado.
Sempre me falaram sobre os exercícios físicos, mas
eu nunca dei muita importância ou a doença nunca permitiu. Agora eu tento fazer
diferente. Silencio o boicote interno e simplesmente vou.
Isso
me ajuda muito, os pensamentos vão ficando mais claros, observo que a vida real
é bem diferente daquela que está na tela do meu celular e também na minha
cabeça.
Vivenciar a cidade, observar as pessoas entrando no ônibus, correndo ou
comendo um pão na chapa na padaria é essencial para quebrar o velho hábito de
me colocar no centro do mundo e me enganar.
Falamos
sobre isso, meu terapeuta e eu, na última consulta. O quanto que eu me engano.
Vislumbro uma situação e as pessoas com quem vou conviver e idealizo um mundo
que não existe. Talvez isso se deva ao meu isolamento alcoólico.
No
meu período de ativa, eu ficava alimentando esses pensamentos destrutivos e não
saía deles.
Acordava, sentia tudo isso e não achava que poderia suportar mais
um dia nessa condição, por isso bebia, tomava remédio ou ficava na cama
chorando por muito tempo. Pensamentos cíclicos que cansam e a única forma de
sair deles é ir chocá-los com a realidade.
Quase nunca o que eu penso é o que
realmente acontece na vida.
A
maior lição de todas é cuidar mais de mim e ter a certeza absoluta de que os
outros não estão ligando ou prestando muita atenção no que se passa na minha
vida.
Essa mania de achar que sou o umbigo do mundo deve ser porque o álcool
muitas vezes me fez centro dos lugares pelos quais passava.
Então o costume de
ser assunto por causa dos vexames foi ensinando minha cabeça a acreditar nisso
automaticamente.
Mas
não, por mais que eu me destacasse em uma determinada situação, ninguém parava
a vida para ficar acompanhando os passos dos meus desastres alcoólicos.
Lembro
muito de perguntar para as pessoas nos dias seguintes às bebedeiras: O que
estão falando de mim? As respostas eram basicamente: Nada, está todo mundo
tocando a própria vida.
O
ganho enorme que tenho hoje é perceber, por mais bobo que possa parecer, que eu
não sou tão importante quanto a minha doença me fez acreditar.
A
ansiedade/angústia é a morte de quem vive, ouso distorcer a ideia do poeta
Vinicius de Moraes. ("A morte é angústia de quem vive").
A
ansiedade leva ao medo. E ele sempre me paralisou.
Me deixou sozinha me jogando
no lixo e conduzindo ao álcool. Porque muito provavelmente eu sempre fui
ansiosa e, quando senti isso pela primeira vez, eu não suportei e procurei
caminhos rápidos para me safar daquele horror.
O
alcoolismo não é só sobre o álcool. O alcoolismo é uma sequência de situações
extremas. E para mim, a ansiedade está no topo da quadrilha.
ALICE
S. –
coluna jornal FSP