Grandes professores de matemática inspiram e moldam destinos


Um dos grandes desafios é tornar carreira atraente, como acontece na Finlândia

No dia 14 de março, o mundo perdeu um dos cientistas mais carismáticos dos últimos cem anos. Em uma fase do avanço da ciência em que é cada vez mais difícil realizar experimentos para testar as hipóteses da física, o britânico Stephen Hawking (1942-2018) tornou-se o maior expoente na aplicação da outra ferramenta de que dispomos para desvendar o Universo: a matemática.

Por meio de seu intelecto, Hawking e seus colaboradores descobriram fatos notáveis sobre fenômenos –tais como os buracos negros– que ainda nem sequer pudemos observar. Recordo a minha fascinação quando, nos tempos da faculdade, tomei conhecimento do “teorema da singularidade”, que Hawking provou juntamente com Roger Penrose (nascido em 1931): é a prova matemática de que pelo menos parte do Universo foi criada em algum momento, ela não pode ter existido desde sempre.

Mas Hawking não foi um talento nato, pelo contrário. Devido em parte ao progresso lento com a leitura e a escrita, ele teve dificuldades com a matemática na escola. Atribuía ao britânico de origem armênia Dikran Tahta (1928-2006),seu professor de matemática na adolescência, muito do mérito pela descoberta da vocação.


“A mente humana é incrível. Para atingir todo o seu potencial, precisa de uma faísca. A faísca do questionamento, da emoção, da paixão. Muitas vezes, ela vem de um professor. Dikran Tahta me mostrou como aproveitar minha energia e me encorajou a pensar criativamente sobre matemática. Ele me fez pensar. Ele me fez ser curioso. Ele abriu novos mundos para mim. Isso é o que um grande professor pode fazer”, declarou.

Como se cria um grande professor de matemática, e como incentivar cada vez mais o seu surgimento no nosso país?

Em visita recente ao Brasil, o diretor Andreas Schleicher da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) foi solicitado a opinar sobre os desafios e oportunidades da nossa educação. Schleicher coloca o professor no centro de suas respostas, ressaltando que tecnologia, diversidade e novos currículos tornaram o trabalho do docente “cem vezes mais difícil nos últimos dez ou 15 anos”.

“Ensinar fórmulas e equações é muito mais fácil do que ensinar o pensamento matemático. Pense nas demandas sociais colocadas sobre o professor. Não é apenas sobre como ensina, mas sobre quem ele é, como se relaciona com os estudantes e atende às necessidades de cada um. É como se ele tivesse que se tornar um assistente social ou um psicólogo”, pondera.

Schleicher insiste que é necessário tornar a carreira docente intelectualmente mais atraente, priorizando o investimento na formação do professor. E dá como exemplo a Finlândia onde, segundo ele, “todo mundo quer ser professor e não por causa do dinheiro, mas porque é uma profissão incrível, que envolve como organizar escolas, desenvolver lideranças e organizar carreiras”.

Um dos maiores professores de matemática que o Brasil já produziu, o saudoso colega Elon Lima (1929-2017), reservava um espaço importante em suas memórias para seu próprio mestre, Benedito de Morais.

Fez dele o protagonista de seu livro “Meu professor de matemática e outras histórias”, em cujo prefácio escreveu: “Não me consta que tenha sido ou desejado ser outra coisa senão professor de matemática. A vida me fez conhecer depois outros lugares, países e pessoas. Com eles foi-me dada a oportunidade de aprender muitas coisas. Mas o professor Benedito foi quem melhor soube me ensinar.”

E foi nele que Elon se espelhou quando iniciou sua própria carreira docente, aos 18 anos: “Não me preocupei muito, pois estava certo de que saberia ensinar matemática. Bastava fazer como o professor Benedito. Foi o que fiz e acho que deu certo”.

O matemático americano Edward Frenkel, nascido na Rússia em 1968 e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, é autor do best-seller “Amor e Matemática”. Nele conta como um encontro fortuito entre sua mãe e Evgeny Petrov, um amigo da família que era professor de matemática, mudou sua vida aos 14 anos.

Petrov interessou-se por conhecê-lo: “Vou convertê-lo à matemática”. “Sem chance”, respondeu a mãe de Frenkel, “ele não gosta, acha muito chato. Quer estudar mecânica quântica”. “Não se preocupe, eu acho que sei como fazê-lo mudar de ideia”, respondeu o professor.

A estratégia de Petrov foi mostrar ao jovem que a matemática servia, entre outras coisas, para tornar a mecânica quântica passível de ser entendida. “Na escola me ensinaram equação de grau 2, um pouco de cálculo, geometria básica e trigonometria. Eu presumi que era só isso que existia”, recorda Frenkel. “Mas os livros que Evgeny me deu para ler continham vislumbres de um mundo completamente diferente, cuja existência eu não podia sequer imaginar. Fui convertido na mesma hora.”

O Brasil está cheio de histórias de jovens menos conhecidos, mas não menos importantes, cujas vocações foram despertadas por grandes professores. Se você conhece alguma delas, mande para mim pelo email viana.folhasp@gmail.com. Quem sabe possamos divulgar!

 Marcelo Viana - matemático e diretor-geral do Impa, é ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

Fonte: coluna jornal FSP

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