Estagnação na carreira e instabilidade econômica geram onda de insatisfação com o trabalho
A pessoa se arrasta para ir ao trabalho, passa o dia tentando fugir das tarefas, não consegue ver um futuro na carreira e, desde segunda, só pensa no fim de semana.
Quase 40% dos profissionais se sentem assim: desmotivados. É o que diz uma pesquisa da consultoria de RH Robert Half, que entrevistou 387 pessoas empregadas com mais de 25 anos e formação superior, em todas as regiões do país, entre abril e maio.
A principal causa de insatisfação é a falta de oportunidades de crescimento, citada por 34% dos entrevistados. Outras razões são clima organizacional (20%), salário atual e função pouco desafiadora (ambos mencionados em 13% das respostas).
Apesar de a remuneração continuar sendo um fator importante de motivação, os trabalhadores têm dado valor cada vez maior a outros aspectos do trabalho, como qualidade de vida, possibilidade de desenvolvimento e afinidade com os valores da empresa, afirma Carolina Cabral, gerente de recrutamento da Robert Half.
“O perfil do profissional mudou rápido. Hoje, a empresa precisa combinar com o que ele acredita, caso contrário o trabalho não faz sentido”, diz.
Muitas companhias já perceberam que funcionários felizes produzem mais e estão tentando criar ambientes mais flexíveis e acolhedores. Mas algumas vezes a mudança fica só no discurso, o que acaba gerando um sentimento de frustração na equipe, afirma Adriana Schneider, cofundadora da Cicclos, consultoria em desenvolvimento humano e organizacional.
Segundo ela, os profissionais buscam cada vez mais companhias que permitam crescimento. Isso não significa necessariamente que todos queiram subir na hierarquia e se tornar chefes, mas ser reconhecidos, desafiados e aprender novas competências.
O desânimo vem quando o empregado não sabe o que precisa fazer para atingir o próximo passo na carreira —seja porque as oportunidades não existem, seja porque não há uma política adequada de feedbacks ou uma comunicação clara de quais são os caminhos possíveis e as metas que precisam ser alcançadas.
“Não é que o crescimento tenha que ser muito rápido, mas precisa acontecer na velocidade combinada”, diz Cabral. “O problema é a expectativa ser diferente da realidade. Isso gera uma insatisfação muito grande, que causa desmotivação”, completa.
A crise econômica prolongada também contribui para uma sensação de desânimo generalizado, aponta Beatriz Braga, professora de gestão de pessoas da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Em um cenário instável, as pessoas ficam mais receosas de sair de um emprego pouco motivador, mas seguro. “É preciso ver se não há uma acomodação do profissional, mas a crise tem um efeito que não se pode desconsiderar.”
A fisioterapeuta Nathália Ferreira, 30, começou a ficar desanimada depois de pouco mais de um ano trabalhando em uma clínica de tratamentos capilares, em São Paulo. Além de não ver perspectivas de crescer ali, ela se sentia cada dia mais incomodada com o ambiente de trabalho.
“Tinha muita fofoca, e eu via várias coisas erradas. A gerente tratava os funcionários de forma muito diferente, não era justo”, conta.
Para tentar sair de lá, Nathália participou de diversos processos seletivos, mas só encontrava vagas para trabalhar como prestadora de serviço. Então, preferiu permanecer no emprego. “É cruel quando você quer pedir demissão, mas não pode porque tem seus compromissos e sabe que o mercado está ruim.”
A procura por uma nova colocação durou mais um ano. Nos últimos meses em que ficou na empresa, ela chorava todos os dias antes de ir para o trabalho. Até que, finalmente, foi contratada por um plano de saúde e deixou a clínica.
Hoje, ela atua na área de reabilitação ortopédica e se diz motivada. “Sinto que sou valorizada. Também vi o quanto é importante estar num lugar que está de acordo com os meus princípios.”
Além de olhar para o ambiente de trabalho, quem está desmotivado precisa avaliar o quanto questões pessoais podem estar influenciando esse quadro de desânimo, afirma Marcelo Alves dos Santos, professor de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“Em muitos casos, o indivíduo entra numa rotina só de trabalho e, aí, tem uma fonte de desprazer grande, porque tudo vira obrigação, até o que era para ser prazeroso”, diz.
O psicólogo recomenda que o profissional busque se conhecer melhor. O objetivo é entender quais são suas principais fontes de motivação dentro e fora da carreira e investir nelas —sair com os amigos, praticar um esporte etc.
“Às vezes, um trabalho é só um trabalho. Perceber isso também tira o peso de que o escritório é o lugar de salvação e redenção e passa a ser o local que vai subsidiar à pessoa aquilo que realmente dá prazer a ela”, diz Adriana Schneider, da Cicclos.
Para Beatriz Dutra, da FGV, é possível encontrar prazer em outras áreas da vida além da carreira, mas há um limite para esse equilíbrio: não dá para detestar tanto o trabalho e se satisfazer apenas com um hobby.
“Aguentar de segunda a sexta, só para chegar o sábado, é muito tempo. Acho que a maior parte das pessoas acaba adoecendo com isso, mas claro que há exceções.”
QUAL É SEU NÍVEL DE MOTIVAÇÃO NO TRABALHO?
Leia as afirmações abaixo e escolha entre a) concordo totalmente; b) concordo parcialmente ou c) não concordo
1. Quando penso no futuro, sei que trabalho no lugar certo para alcançar meus objetivos
2. No escritório, procuro coisas para me distrair e fugir das tarefas
3. Sempre busco me atualizar
4. Sinto-me injustiçado, porque não existe meritocracia na empresa
5. Tenho autonomia para tomar decisões e sou valorizado por isso, mesmo quando as coisas não vão bem
6. Está difícil realizar tarefas no prazo e com qualidade
7. Novos desafios e aprendizados me estimulam a crescer
8. Caso não precisasse de dinheiro, não faria o que faço hoje
9. Compartilho dos valores da empresa
10. Não há clima para ajudar ou receber ajuda de colegas
11. É difícil perceber o valor do que faço tanto para a companhia quanto para a sociedade
12. Mesmo nos momentos difíceis, sei que há um propósito, por isso sigo em frente
Resultado do quiz
A | B | C |
1 | 3 | 2 | |
2 | 1 | 2 | |
3 | 3 | 2 | |
4 | 1 | 2 | |
5 | 3 | 2 | |
6 | 1 | 2 | |
7 | 3 | 2 | |
8 | 1 | 2 | |
9 | 3 | 2 | |
10 | 1 | 2 | |
11 | 1 | 2 | |
12 | 3 | 2 | |
Fonte: jornal FSP