Ressaca moral após se expor demais também pode ser
gratificante
Embora
o sentimento normalmente seja negativo, compartilhar vulnerabilidades pode
ajudar a superá-las.
No início de agosto, num bar em Washington, Erin
Pedati contou a um grupo de amigas que estava com depressão. Elas eram boas amigas.
Reagiram com
empatia e compaixão. Mas no dia seguinte, Erin, 40 anos, se sentiu estranha.
"Em parte me senti aliviada, porque é
importante ter essas conversas", ela disse. "Mas também fiquei
pensando ‘meu deus, o que foi que eu falei?’.
Você repassa a conversa na cabeça
e pensa: ‘Elas não responderam à minha mensagem. Será que falei demais?"
Ao invés da ressaca por causa da
bebida –"francamente, teria sido mais fácil lidar com isso", Erin
disse brincando–, ela estava sentindo uma "ressaca de
vulnerabilidade", ou, uma ressaca moral.
É um termo cunhado pela
professora pesquisadora Brené Brown, da Universidade de Houston, para descrever
a ansiedade, vergonha e remorso que uma pessoa
pode sentir depois de revelar algo muito pessoal.
Como humanos, temos necessidades que se contrapõem,
disse Emma Seppala, diretora científica do Centro de Pesquisas e Educação em
Compaixão e Altruísmo da Universidade Stanford e autora de "The Happiness
Track".
Temos a necessidade de "criar vínculos com outras pessoas,
mostrando a elas quem somos realmente, mas também de obedecer as normas sociais
e não compartilhar demais".
O problema é que pode ser difícil suprir essas duas
necessidades simultaneamente. Compartilhar traz a potencial recompensa da
intimidade, mas, disse Seppala, também deixa a pessoa aberta ao medo de ser
julgada ou rejeitada.
"Podemos pensar: ‘Será que essa pessoa vai ter
uma opinião pior a meu respeito agora? Será que eu demonstrei uma fraqueza?
Estou segura?"
A ressaca de vulnerabilidade pode ser incômoda, mas
não precisa ser debilitante. E pode até ajudar você.
COLOQUE AS COISAS EM
PERSPECTIVA
Para começar, saiba que as outras pessoas
provavelmente não vão pensar tanto quanto você sobre o que você revelou.
Graças
a um fenômeno conhecido como "o efeito da bela confusão", geralmente
encaramos nossas próprias manifestações de vulnerabilidade mais negativamente
que outras pessoas.
Pense em como você reage aos momentos de fraqueza
de outras pessoas, disse Seppala.
Você se identifica mais com um convidado numa
festa que está fazendo um discurso intelectual empolado ou com a pessoa que
derruba alguma coisa na camisa e fica constrangida?
A maioria das pessoas se identifica com a segunda
pessoa, "porque está sendo natural", disse ela. "Quando uma
pessoa está sendo natural, isso nos autoriza a também sermos."
Fique tranquilo: qualquer remorso que você sinta
provavelmente vai durar pouco. Pesquisas sugerem que, no curto prazo, tendemos
a remoer as coisas que desejaríamos não ter feito.
Mas no mais longo prazo,
geralmente nos arrependemos das coisas que gostaríamos de ter feito e não
fizemos, disse Amy Summerville, pesquisadora da Kairos Research, em Dayton,
Ohio, que estuda o remorso.
"Faz sentido que no primeiro momento você
pense ‘aiaiai, por que fui falar aquilo?’", disse Summerville. Mas esse
sentimento geralmente desaparece quando você reflete sobre o tempo que conhece
uma pessoa.
SAIBA QUE VOCÊ PODE TER AJUDADO ALGUÉM
Estudos revelam que a vulnerabilidade pode promover
a intimidade e fomentar a confiança. É um fenômeno que é importante durante uma pandemia que ainda não terminou,
quando muitos de nós ainda estamos nos sentindo isolados.
Num evento de trabalho com pessoas que ela não via
frente a frente desde 2019, Nicole Baker, 43, acabou revelando que fizera
tratamento recentemente contra câncer de mama.
Isso levou outra pessoa presente
à conferência a confidenciar que tivera um AVC (acidente vascular cerebral)
naquele ano.
"Acabamos tendo uma conversa muito boa sobre
problemas de saúde no trabalho. Não teríamos falado disso se eu não tivesse
compartilhado primeiro", disse Denver, que trabalha para uma ONG
(organização não governamental) em Denver.
E a vulnerabilidade não é benéfica apenas entre
amigos e colegas. Pesquisas revelaram que chefes vulneráveis são líderes
melhores. "As pessoas ficam mais à vontade com você", disse Seppala.
"Você está mostrando que é humano. Isso deixa as pessoas à vontade."
ENCARE COMO UM APRENDIZADO
Os primeiros pesquisadores a descobrir o efeito da
"bela confusão" constataram também que as pessoas que praticam
autocompaixão são menos críticas de suas próprias "confusões" do que
pessoas que não o fazem.
Uma maneira de deixar de lado o auto julgamento por
ter compartilhado algo é converter isso em alguma coisa construtiva, disse
Michael Tennant, criador do jogo de baralho Actually Curious, que fomenta a
empatia e a confiança. "Pense: ‘O que posso aprender com isso?’"
Examinar o que te levou a compartilhar algo pessoal
–quer tenha sido um deslize não intencional ou uma tentativa intencional de
formar um vínculo com o outro— pode ajudar a embasar suas escolhas futuras,
disse a psicóloga clínica Carla Manly, de Santa Rosa, Califórnia.
Substituir a autocrítica exagerada pela curiosidade
pode ajudá-lo a definir sua zona de conforto e se conscientizar: "Ok, não
me incomodo em falar de minha ansiedade ou depressão, mas preciso tomar mais
cuidado quando falo de minhas finanças", disse Manly.
Arrependimento é a versão psicológica da dor que
você sente quando encosta a mão num fogão quente, disse Summerville: é útil
porque pode tentar não cometer o mesmo erro duas vezes.
Mas também pode não
mergulhar a si mesmo num círculo vicioso de reflexões infrutíferas ou em pensamentos
intrusivos repetitivos que não dão em nada.
"Se você tende a ruminar sobre as coisas –se
isso é algo que aparece em sua cabeça sem você querer e você não está chegando
a lugar algum novo--, isso pode ser um problema", disse Summerville.
Suas
pesquisas encontraram uma correlação entre o pensamento ruminativo e a
depressão, mas isso não indica uma relação de causa e efeito.
"Mas se você estiver aprendendo algo novo
–tipo ‘uau, aquilo não foi a coisa certa a dizer àquela pessoa naquele
momento’, isso pode te ajudar a se sair melhor no futuro."
TRACE UM PLANO PARA A PRÓXIMA VEZ
Apesar dos benefícios potenciais de revelar algo
pessoal, ainda há momentos em que você pode querer guardar as coisas para si.
O problema é que falar de nós mesmos é gratificante.
Por exemplo, em um estudo pequeno de 2020, os participantes que receberam
dinheiro para responder a perguntas gostaram tanto de divulgar seus pensamentos
que abriram mão de 25% do pagamento para poder compartilhar suas respostas, em
vez de manter discrição sobre elas.
É especialmente difícil depois dos últimos anos,
porque vivemos um momento em que estamos sedentos de contato humano, mas nossas
habilidades sociais enferrujadas podem nos levar a compartilhar demais, disse o
psicoterapeuta e assistente social Jared Dalton, de London, Ontario.
Quando o álcool, que prejudica o julgamento, entra
na história também, nossas defesas podem cair ainda maior. "No instante em
que incluímos álcool numa situação, muitas vezes acabamos compartilhando mais
do que compartilharíamos se estivéssemos apenas tomando um café com outra
pessoa", disse Manly.
Dalton, que frequentemente trabalha com pacientes
com TDAH (transtorno de déficit de atenção) para treinar estratégias de
controle de impulsos, sugeriu que a pessoa faça uma "pausa para
refletir" –quer seja respirar fundo ou ir ao banheiro— antes de divulgar
uma informação muito pessoal.
"De onde vem a urgência de se abrir?",
ele disse.
"É porque você de fato quer se aproximar da outra pessoa? Ou é
porque você está sentindo solidão e só quer se conectar com alguém?"
Pensar em seu objetivo final "pode ajudar você
a se refrear, se for preciso", ele disse. E a mesma coisa se aplica a
compartilhar coisas online, um espaço onde a conexão que você busca, com outras
pessoas, pode ser mais difícil de conseguir.
Expor seus sentimentos mais íntimos nas redes
sociais pode te fazer se sentir especialmente exposto "se não há a
contrapartida que você desejava", disse Dalton.
"Se você tem mil
amigos, você compartilha algo superpessoal e recebe apenas dez curtidas, pode
ser profundamente decepcionante."
Mesmo assim, não deixa a ressaca de vulnerabilidade
desanimá-lo.
O "dia seguinte" à vulnerabilidade pode
ser desagradável ou surpreendente, mas muitas vezes vale a pena, disse Seppala.
Nas aulas de inteligência emocional que ela dá na Universidade Yale, já
percebeu que "quanto mais vulnerável e sincera me mostro com os exemplos
que dou, melhor consigo comunicar minha mensagem."
Sentir-se à vontade com os efeitos posteriores da
vulnerabilidade "requer coragem num primeiro momento, mas é como um
músculo que você vai fortalecendo".
Tennant, que está escrevendo um livro sobre coragem
vulnerável, disse que começou a encarar isso como um superpoder.
"Tantas
pessoas estão acostumadas a esconder sua vulnerabilidade que quando eu me
aproximei dela, as pessoas geralmente ficaram comovidas."
Tradução de Clara Allain
THE NEW YORK TIMES