e-RMB
é vinculada à moeda chinesa e operada pelo banco central do país.
No meio da crise da Covid-19 surge a primeira criptomoeda
governamental, o e-renminbi (e-RMB). Havia muito tempo já se especulava se as
moedas virtuais não seriam mais cedo ou mais tarde adotadas por Estados
nacionais.
Esse momento chegou. A China lançou na semana passada e
está expandindo testes com esse ativo virtual, vinculado à moeda chinesa e
operado pelo banco central do país.
Cidades como Pequim, Chengdu e Shenzhen são algumas das
primeiras a atuar no projeto. Por exemplo, funcionários públicos dessas cidades
vão começar a receber salários na nova moeda virtual a partir de maio. Um
aplicativo específico de carteira virtual é utilizado para fazer transações.
No entanto, a facilidade de uso é total. Isso ocorre
porque na China a maioria dos pagamentos já é hoje digital. Tudo se paga pelo
celular.
Moradores de rua, por exemplo, carregam placas com seu código QR,
porque sabem que o celular é a única forma de receberem um auxílio (quase
ninguém carrega dinheiro em papel). Só que esses pagamentos digitais ainda eram
atrelados ao dinheiro convencional. A ideia é que agora possam funcionar também
com base na nova moeda virtual.
Tudo isso contrasta fortemente com a situação do Brasil,
país em que 1 de cada 3 adultos não tem sequer conta bancárias. As imagens de
pessoas dormindo nas ruas em longas filas naporta de agências da Caixa para tentar receber o auxílio emergencial
dão conta do tamanho da calamidade que a exclusão financeira provoca.
Países como a Índia e a China promoveram, nos últimos
dez anos, um processo de bancarização gigantesco. O Brasil ignorou essa questão
e agora paga um preço enorme por isso, cobrado em vidas.
Com a nova moeda virtual, a China aprofunda a digitalização
da sua economia, com possíveis repercussões globais.
É curioso notar que o que acelerou a moeda virtual do
país foi justamente a publicação pelo Facebook do seu projeto chamado Libra. No projeto, a empresa
propunha criar uma moeda virtual global, que poderia servir de alternativa
monetária ao dólar.
Lançado com grandes expectativas, o projeto do Facebook
acabou paralisado. Produz agora um efeito concreto, de ter impulsionado a China
a correr e tomar uma iniciativa similar, não em nome de uma empresa, mas sim de
um país.
A medida é também um movimento preventivo contra a
crescente politização do dólar. A moeda americana vem sendo progressivamente
utilizada como instrumento de política externa. Em 2019, empresas europeias
foram ameaçadas de exclusão do sistema de compensação internacional do dólar
pela rede Swift por estarem vendendo para o Irã.
Para se precaver desse movimento, a expectativa é que o
e-RMB seja um passo na criação de outro sistema de transações monetárias
internacionais que não precise da rede Swift (criada em 1973) para serem
completadas. Em vez dessa rede, adota-se estrutura baseada em blockchain, de
aplicação global. Só que, em vez de atrelar-se à imprevisibilidade de várias
criptomoedas, vincula-se a uma moeda fiduciária emitida por um Estado nacional.
Esse pequeno passo pode ser o bater de asas da borboleta
capaz de influenciar o curso natural das coisas e provocar um furacão do outro
lado do mundo.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP