Depois de ponderar
os prós e contras dos padrões de trabalho futuros, o Dropbox se decidiu contra o modelo híbrido —ou seja, dividir a
jornada semanal de trabalho entre o escritório e a casa.
“Isso tem desvantagens
significativas”, diz Melanie Collins, vice-presidente de pessoal da empresa. A
maior delas é que a prática “pode levar a questões de inclusão, ou disparidades
com relação a desempenho ou trajetória de carreira”.
Por fim, a plataforma de
armazenagem e colaboração em nuvem optou por uma política de prioridade para o
trabalho remoto, em lugar do escritório.
Com a reabertura
dos escritórios, há temores de que, se o modelo híbrido for mal administrado, o
poder organizacional reverterá aos locais de trabalho, com executivos formando
panelinhas de escritório e os empregados que desejam promoção e oportunidades
de “networking” revertendo a uma forma de trabalho que inclua mais contato em
pessoa com os superiores hierárquicos, a fim de adiantar suas carreiras.
A HIERARQUIA DO ESCRITÓRIO
Os trabalhadores
mais preocupados com status podem estar ansiosos para voltar ao escritório, diz
Tomas Chamorro-Premuzic, professor de psicologia de negócios na Universidade
Columbia e na UCL (Londres).
“Os seres humanos são hierárquicos por natureza e
um escritório sempre conferiu status e hierarquia —vagas de estacionamento,
carros, escritórios bem localizados, salas maiores, janelas.
O risco agora é
que, em um mundo completamente híbrido e flexível, o status termine por se
correlacionar ao número de dias que um trabalhador passa no escritório”.
Isso pode criar uma
força de trabalho dividida em duas categorias: os que desejam flexibilidade
para trabalhar de casa —especialmente as pessoas que têm de cuidar de filhos ou
outros parentes— e aqueles que gravitam para o escritório; Rosie Campbell,
professora de política e diretora do Instituto Mundial de Liderança Feminina no
King’s College de Londres, diz que pesquisas passadas demonstram que “os
trabalhadores remotos ou de tempo parcial tendem a não ser promovidos”.
Isso já
foi descrito como “o estigma da flexibilidade”, definido como “discriminação e
percepção negativa quanto a trabalhadores que trabalham flexivelmente, e
[consequentes] resultados negativos para suas carreiras”.
Uma pesquisa de
Heejung Chung, pesquisadora de sociologia e política social na Universidade de
Kent, constatou que “as mulheres, especialmente as mães (de crianças de
menos de 12 anos), provavelmente terão experimentado alguma forma de
consequência negativa para suas carreiras devido ao trabalho flexível”.
Os lockdowns aumentaram desproporcionalmente
as responsabilidades das mulheres, por conta do estudo em casa e do fechamento
de creches.
DESENVOLVIMENTO DE CARREIRA PREJUDICADO
Algumas companhias estão criando
polos regionais ou alugando locais de trabalho compartilhado para que
seus trabalhadores possam ir a escritórios mais próximos de casa, reduzindo o
tempo de percurso e o custo de imóveis dispendiosos.
O Lloyds Banking Group
está entre os diversos bancos que disseram que usarão o espaço ocioso em suas
agências para realizar reuniões.
O risco, diz Campbell, é que os trabalhadores que
utilizam escritórios locais fiquem privados de exposição aos líderes seniores e
às redes mais amplas de contatos que poderiam ajudar no avanço de suas
carreiras.
“As pessoas podem considerar que é mais fácil trabalhar de casa ou
de escritórios suburbanos, mas talvez seja melhor ir ao escritório [central].
Locais de trabalho suburbanos ou regionais oferecem outro espaço de trabalho
que não a casa, mas não oferecem oportunidade de contato direto com os
superiores”.
Os empregadores e líderes de equipes
podem ter de tratar explicitamente do propósito do escritório: não se trata
apenas de um bom lugar para trabalhar em equipe e para conversas acidentais com
colegas, mas também de um polo de “networking”.
Mark Mortenson, professor associado
de comportamento organizacional na escola de administração de empresas Insead,
aponta que é difícil —e paternalista— para um gestor sugerir a um empregado que
passe mais tempo no escritório a fim de promover o avanço de sua carreira.
Um recente artigo de opinião publicado
pelo The Washington Post, da autoria de Cathy Merrill,
presidente-executiva da Washingtonian Media, deflagrou uma reação negativa
forte na mídia social e, mais importante, entre os subordinados dela, por
argumentar que as pessoas que não retornem ao escritório podem terminar
desempregadas. “As pessoas mais difíceis de demitir são aquelas que você
conhece”, ela escreveu.
A equipe dela acredita que o trabalho
remoto que vinha realizando foi desconsiderado, e as pessoas se zangaram por
não terem sido consultadas quanto a seus planos futuros de trabalho —e por isso
entraram em greve.
Mortensen não aconselha fazer ameaças
de demissão aos subordinados, mas argumenta em favor de conversações francas e
abertas sobre o valor do tempo passado no escritório.
“Não é só agradável, mas
também importante, manter uma rede informal de contatos. Precisamos dizer às
pessoas que existe o risco de, por trabalharem remotamente, estarem perdendo
algo importante para suas carreiras.
É complicado. As pessoas dirão que vendem
coisas com base em sua competência, mas é preciso ser honesto e admitir que
relacionamentos são importantes. Conexões fracas podem ser o fator mais
importante na definição do percurso de carreira de alguém”.
O problema é que, depois de lidar com
uma pandemia e com os lockdowns, os trabalhadores podem não estar em posição
ideal para saber o que querem em termos de padrões futuros de trabalho.
Chamorro-Premuzic diz temer que mesmo as pessoas que estão curtindo a situação
atual possam não perceber “o quanto estão desgastadas. É como o caso de uma
pessoa introvertida que gosta de trabalhar de casa, tentando aproveitar seus pontos
fortes —e ficar em sua zona de conforto”.
EXAMINE A CULTURA DO LOCAL DE TRABALHO
À medida que os empregadores buscam
configurar maneiras de trabalhar, eles precisam examinar a cultura de seus
locais de trabalho e descobrir por que os trabalhadores talvez prefiram ficar
em casa.
Haverá aqueles que sempre terão se sentido excluídos das redes e dos
apadrinhamentos de escritório —e continuar em trabalho remoto significa que
eles não precisam pensar a respeito.
O Future Forum, um projeto de
pesquisa da Slack sobre o futuro do trabalho, constatou que os trabalhadores
negros do conhecimento tendiam a preferir um modelo de trabalho híbrido ou
remoto porque o escritório sempre foi um lembrete “de seu status como
outsiders, de maneiras tanto sutis (microagressões) quanto nem tão sutis
(discriminação aberta)”.
Segundo a organização, a solução não era “dar aos
trabalhadores negros a capacidade de trabalhar de casa, enquanto os executivos
brancos voltam aos seus velhos hábitos, [mas] sim alterar fundamentalmente as
maneiras de trabalhar e fazer com que as pessoas prestem contas sobre promover a inclusão no local de trabalho”.
Alguns especialistas acreditam que a
pandemia tenha alterado fundamentalmente o comportamento no local de trabalho.
Tsedal Neeley, professora de administração de empresas em Harvard e autora de
“Remote Work Revolution”, é otimista.
“Os indivíduos estão preocupados sobre
sua trajetória de carreira porque a paranoia é, ‘se não formos ao escritório,
será que teremos as mesmas oportunidades e mobilidade de carreira sem estar
fisicamente lá?’
Essas preocupações eram legítimas 13 meses atrás, mas são
menos graves agora”.
Chung é coautora de um relatório da
Universidade de Birmingham que descobriu que mais pais estão assumindo
responsabilidades por cuidar das crianças e existe um aumento no “número de
casais que indicam ter dividido as tarefas caseiras e o cuidado dos filhos,
durante o lockdown”.
Isso pode mudar as atitudes dos casais quando a dividir as
responsabilidades e tarefas domésticas, e mudar a estigmatização
do trabalho flexível pelos trabalhadores.
PREVENIR A
FORMAÇÃO DE PANELINHAS
Existem algumas medidas que
empregadores podem tomar para impedir a formação de panelinhas de escritório.
Alguns locais de trabalho exigirão que integrantes de equipes vão ao escritório
nos mesmos dias, para que os integrantes tenham acesso aos superiores, em lugar
de deixar o calendário de visitas ao escritório aos cuidados de cada
trabalhador.
Mas isso pode significar que alguns membros de equipes não teriam
acesso aos líderes seniores ou não poderiam formar laços com outras equipes,
como teria acontecido quando trabalhar no escritório era o padrão.
Lauren Pasquarella Daley, diretora
sênior de questões da mulher e de trabalho futuro na Catalyst, uma organização
sem fins lucrativos que defende as mulheres no trabalho, diz que os executivos
seniores precisam “ser deliberados em seu papel como mentores e padrinhos”, em
lugar de permitir que esses relacionamentos se formem por acaso.
E eles também precisam servir como
exemplo de trabalho flexível. “Se os empregados não sentirem que é ok tirar
vantagem do trabalho remoto, não o farão”.
Isso significa garantir que as
reuniões sejam documentadas. Se, por exemplo, uma pessoa estiver trabalhando
fora do escritório, todos precisam agir como estivessem na mesma situação.
Chamorro-Premuzic diz que os gestores
devem trabalhar sob a suposição de que panelinhas de escritório surgirão. Isso
significa que as organizações precisam adotar uma mensuração melhor de
objetivos, avaliar desempenho independentemente de onde as pessoas estejam, e
medir e monitorar vieses (por exemplo, se é sabido com que frequência as
pessoas vão ao escritório, pode-se testar se existe uma correlação entre estar
no escritório e receber uma avaliação positiva de desempenho, o que poderia
indicar um viés ou impacto adverso), e treinar líderes e gestores sobre como
serem inclusivos.
“Podemos não ter montanhas de dados
quanto ao impacto das políticas de trabalho híbrido sobre grupos
desprivilegiados, mas é ingênuo presumir que o impacto não exista. A grande
questão é como mitigá-lo”, ele diz.
Tradução de Paulo Migliacci
jornal FOLHA DE SÃO PAULO