Alguém
acredita que o chefão do tráfico more numa casa até melhorzinha, mas no meio de
uma favela, sem saneamento básico, sem serviços públicos, com esgoto correndo
nas proximidades, convivendo com mau cheiro, ratos e baratas, pisando na poeira
ou na lama? E ande com aquela bermuda mulambenta, sem camisa, calçando
havaianas? Que não faça uma viagem sequer de turismo, que jamais vá a um
restaurante de luxo, que se contente com as mulheres da vizinhança – e, aliás,
sabendo que só as tem por ameaças e uso da força bruta?
Pode
ser que isso exista – mas é improvável. No mundo inteiro, os grandes chefes
criminosos vivem no luxo, gastando à vontade para satisfazer seus caprichos,
por extravagantes que sejam. Por que, no Brasil, seriam tão espartanos?
O
colega deste Observatório Luciano Martins Costa cita o juiz Walter
Fanganiello, para quem uma operação policial espetacular é apenas um
espetáculo. Tem razão: apreende-se uma grande quantidade de droga, que depois,
segundo nos informam, é incinerada, e mesmo assim o consumo se multiplica no
país. O Conselho Internacional de Controle de Narcóticos da ONU informou, há
uma semana, que o consumo de cocaína dobrou no Brasil em menos de dez anos; e
hoje já o quádruplo da média mundial.
Os
meios de comunicação adoram cobrir as grandes operações. O perrelaço, operação
em que o helicóptero pertencente ao deputado Gustavo Perrela, do Solidariedade,
foi apreendido com meia tonelada de cocaína, valeu muitas matérias. A apreensão
de 300 quilos de cocaína na sede da escola de samba de uma torcida organizada
do Palmeiras também valeu muitas reportagens. Faltou responder a duas perguntas
fundamentais, daquelas que deveriam estar no lead:
1. O
piloto do deputado Perrela recebeu a cocaína de alguém, com a incumbência de
levá-la a algum lugar. Quem a entregou? Em que lugar a entregaria, e para quem?
2. O
pessoal de torcidas organizadas não chega a pertencer a elites econômicas. Quem
tinha comprado tanta cocaína? De quem?
Cocaína,
caro leitor, é produto caro, pago a vista, em dinheiro. A inadimplência costuma
ser punida com a morte. Ou seja, o comprador sabe de quem comprou. Se a polícia
não acha os responsáveis, que tal algum veículo de comunicação designar bons
repórteres para investigar o caso?
E não
é preciso correr os riscos do grande Tim Lopes. Seguindo as sábias instruções
do Garganta Profunda aos repórteres que revelaram o caso Watergate, “siga o
caminho do dinheiro”. É aí que está o veio da reportagem – aliás, se tivéssemos
policiamento competente, seria este o grande veio da investigação. Prender um
traficante, apreender uma ou duas toneladas de drogas, expulsar drogados de uma
determinada região, tudo isso equivale a matar formigas. É bobagem: quem quiser
acabar com as formigas tem de alcançar a rainha do formigueiro. E, no caso, é
seguir o caminho do dinheiro, para estrangular financeiramente o esquema e
prender os grandes articuladores, os organizadores do tráfico.
Carlos
Brickmann - jornalista e diretor
do escritório Brickmann&Associados Comunicação,
Fonte: site Observatório da Imprensa