Você
já deve ter ouvido dizer que o amor faz o mundo girar. Mas provavelmente o que
o faz girar mesmo é a confiança.
Nas nossas vidas privadas, confiamos que nossos amigos e
cônjuges são quem eles dizem ser. Na esfera pública, confiamos que as escolas
manterão nossos filhos seguros e que os motoristas vão parar nos sinais
vermelhos. Confiamos que os políticos agirão guiados por nossos interesses, que
os funcionários públicos vão gerir nossas cidades e que os governos cumprirão
as atribuições que lhes cabem.
Mas o que acontece quando a confiança é violada?
Como psiquiatra na Escola Médica Weill Cornell, em Nova York,
Anna Fels já viu os resultados ao tratar de pacientes que "haviam
repentinamente descoberto que sua vida, tal qual a conheciam, baseava-se em uma
prolongada falsidade", escreveu no "New York Times". "Eram
pessoas que podiam ter tropeçado em segredos familiares na internet ou
encontrado velhas contas de contatos do cônjuge escondidas durante muito
tempo".
Nas crises subsequentes, escreveu ela, é o traído, não o
traidor, que enfrenta mais dificuldades. "As emoções que eles sentem,
embora aparentemente sejam mais benignas do que as do perpetrador, podem em
longo prazo ser mais corrosivas: humilhação, constrangimento, a sensação de ter
sido ingênuo ou cego, alienação em relação àqueles que sempre souberam da
verdade e, o pior de tudo, amargura."
Grande parte da população americana pode estar se sentindo
assim. Primeiro, houve os relatos sobre a coleta de dados pessoais e da invasão
de privacidade, realizados pelo governo e por empresas.
O repórter James Risen, do "Times", e a cineasta Laura
Poitras, que gravou a declaração feita por Edward Snowden sobre os dados
secretos da NSA revelados por ele, escreveram que "quase tudo nas
operações da agência é oculto, e a decisão de rever os limites relativos aos
americanos foi tomada em segredo, sem revisão pela corte de inteligência da
nação nem nenhum debate público".
Mas o segredo não é o único problema. Os americanos que
estivessem lutando com sua desconfiança em relação ao governo acordaram em 1°
de outubro e descobriram que havia muito menos governo do qual desconfiar -a
briga orçamentária entre democratas e republicanos havia levado a uma
paralisação parcial do governo. A crise congelou muitos serviços, inclusive
aqueles para os necessitados, fechou parques nacionais e inicialmente colocou
800 mil funcionários públicos federais sob licença.
Como os americanos se sentem? Uma pesquisa Pew conduzida às
vésperas da paralisação mostrou que a indignação popular contra o governo é a
maior desde 1997, quando o instituto começou a fazer essa pergunta aos
eleitores. Entre os entrevistados, 26% se disseram "irritados" e 51%,
"frustrados". A irritação era maior entre os republicanos
conservadores -41%-, ao passo que os eleitores mais jovens haviam em grande
parte escapado à frustração por simplesmente ignorar tudo. Entre os menores de
30 anos, 63% não estavam acompanhando o noticiário atentamente e quase metade
dizia não estar acompanhando nada das notícias.
Um leitor do "Times" sentiu que esse era justamente o
problema: não são os erros do governo, "não importa com que frequência
eles se repitam, que fazem as pessoas desconfiarem dele", escreveu.
"É nossa desconfiança em relação aos nossos concidadãos que vemos
refletida nas nossas atitudes negativas em relação ao governo."
Peter Catapano - foi editor-chefe da AM New York.
Fonte: suplemento New York Times do
jornal FSP