Alguns cérebros são mais
suscetíveis à ficção de ação, outros preferem narrativas sobre estados mentais.
A
linguagem une cérebros: não importa se através de combinações de rabisquinhos
ou de sons, o conteúdo mental de cada um de nós tem como influenciar e ser
influenciado pelos pensamentos de outra pessoa.
O
efeito sobre o cérebro de ouvir ou ler estórias é prazeroso, como eu disse aqui
duas semanas atrás, e muito mais rápido e concreto do que uma reflexão
subjetiva, laboriosa: o cérebro recria automaticamente uma percepção em
primeira pessoa da estória que ouve ou lê, transportando-se para dentro da
narrativa.
Uma
estória cheia de ações dispara ativação das regiões do córtex motor que
preparam e executam movimentos, como se o leitor estivesse, ele mesmo, agindo;
ouvir um conto cheio de imagens visuais evoca atividade no córtex visual como
se o ouvinte estivesse lá, presente.
Mas
há modos diferentes de vivenciar a ficção. Há quem goste mais de ação, como o
recente "O Marciano", de Andy Weir, que descreve as peripécias de um
astronauta abandonado em Marte. Há quem prefira estórias que exploram o
conteúdo mental dos personagens, onde a ação fica em segundo plano (eu sou
assim).
Um
estudo holandês acaba de explorar as diferenças de estilo de compreensão entre
leitores -- ou, mais especificamente, ouvintes, pois as estórias foram lidas
para os voluntários, confinados ao tubo de um aparelho de ressonância
magnética.
Como
esperado, a literatura ficcional que descrevia ações levou ao recrutamento das
regiões motoras do córtex cerebral. Trechos sobre o estado mental dos
personagens e suas personalidades ativavam outras regiões, como o córtex
pré-frontal medial anterior, que representa características do temperamento e
personalidade dos nossos interlocutores.
Por
cima disso, porém, os autores descobriram que a mesma estória evoca respostas
diferentes entre indivíduos. Quem responde com ativação cortical mais intensa a
trechos de ação também responde menos a trechos sobre estados mentais internos
--e vice-versa. Ou seja, alguns ouvintes privilegiam ações; outros, o estado
mental dos personagens.
Por
isso a contação de estórias funciona: o mundo relatado pelos outros,
ficcional ou não, tem acesso direto ao nosso cérebro, e nos faz evocar
representações internas como se a experiência fosse nossa, mas sempre
respeitando nossas diferenças individuais. Ler expande os horizontes de cada
um, mesmo quando a estória não está acessível diretamente aos sentidos.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista,
professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida
Melhor" (ed. Sextante)