Pesquisadores descobriram que os circuitos
da fala e da música ocupam partes distintas do córtex auditivo cerebral.
Para passar o tempo no
trânsito, para relaxar à noite ou para sobrepor o barulho do vizinho, os
americanos passam quase quatro horas por dia ouvindo música.
Em pesquisas internacionais, os entrevistados citam a música
como uma das maiores fontes de prazer e poder emocional na vida.
Nós nos casamos ao som de música, ouvimos música em nossas
formaturas, choramos nossos mortos com música. Todas as sociedades já estudadas
fazem música, e, entre os objetos artísticos mais antigos conhecidos, estão
flautas esculpidas de ossos de mamute cerca de 43 mil anos atrás.
Em vista da antiguidade, universalidade e enorme popularidade da
música, muitos pesquisadores supõem que o cérebro humano possua uma espécie de
câmara musical —uma seção distinta de arquitetura cortical dedicada à detecção
e interpretação de sons musicais. No entanto, usando tecnologia convencional de
neuroimagiologia, os cientistas não encontraram qualquer evidência da existência
de uma área especificamente reservada à música.
Agora, pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology
(MIT) desenvolveram uma técnica radicalmente nova de imageamento cerebral que
revela aquilo que estudos anteriores deixaram passar. Por meio da análise
matemática de tomografias e de outros exames do córtex auditório e do
agrupamento de conjuntos de células cerebrais com padrões de ativação
semelhantes, os cientistas identificaram caminhos neurais que reagem quase
exclusivamente ao som de música.
Pode ser Bach, bluegrass, hip-hop, cítara ou Julie Andrews. O
ouvinte pode gostar de música sampleada ou rejeitá-la completamente. Não há
diferença.
Quando se toca música, um conjunto distinto de neurônios
presentes em um sulco do córtex auditivo do ouvinte é ativado. Outros sons —um
cão latindo, um carro derrapando, a descarga de uma privada— não suscitam
reação alguma dos circuitos musicais.
Nancy Kanwisher e Josh H. McDermott, professores de neurociência
no MIT, e seu colega pós-doutorando Sam Norman-Haignere apresentaram seus
resultados na revista “Neuron”.
A descoberta oferece uma nova ferramenta para o estudo dos
contornos da musicalidade humana.
“Por que temos música?” disse Kanwisher. “Por que gostamos tanto
dela e temos vontade de dançar quando a ouvimos? Em que momento do
desenvolvimento humano podemos detectar essa sensibilidade à música, e ela pode
ser sintonizada com a experiência? Essas são algumas das perguntas que podemos
começar a estudar.”
McDermott disse que o novo método pode ser usado para fazer a
decomposição computacional de exames de ressonância magnética funcional, os
mais usados e em voga na neurociência contemporânea. Com isso, pode acabar
trazendo à tona outros segredos da especialização cortical. Como prova do
princípio, os pesquisadores mostraram que seu protocolo analítico detectou no
cérebro um segundo caminho neural de cuja existência os cientistas já tinham
evidências, este sintonizado com os sons da fala humana.
Um fato importante foi que a equipe do MIT demonstrou que os
circuitos para a fala e a música se localizam em partes diferentes do grande
córtex auditivo cerebral, onde são interpretados todos os sinais sonoros, e que
cada um ignora em grande medida os sinais sonoros do outro, embora exista
alguma sobreposição na reação a canções com letra.
“É muito instigante a ideia de que o cérebro oferece tratamento
especializado ao reconhecimento musical, que ele vê a música como sendo uma
categoria tão fundamental quanto a fala”, disse Josef Rauschecker, diretor do
Laboratório de Neurociência Integradora e Cognição da Universidade Georgetown,
em Washington.
Na realidade, segundo ele, a sensibilidade musical pode ser um
elemento mais fundamental do cérebro humano que a percepção da fala. “Há
teorias segundo as quais a música antecederia a fala e a linguagem”, disse.
“Alguns chegam a argumentar que a fala teria evoluído a partir da música.”
Elizabeth Hellmuth Margulis, diretora do Laboratório de Cognição
Musical da Universidade de Arkansas, disse que, quando neurocientistas não
conseguiram encontrar um centro musical anatomicamente distinto no cérebro,
apresentaram hipóteses diversas.
“Disseram que o que é tão especial na percepção musical é o modo
como ela recruta áreas de todo o cérebro, como ela recorre ao sistema motor,
aos circuitos da fala, do entendimento social, e como junta tudo isso”, disse.
Alguns pesquisadores reduziram a música a um “cheesecake auditivo” —prazerosa,
mas inútil.
“Este artigo diz que não: que há um circuito muito específico
que reage à música, em lugar da fala.”
No entanto, os pesquisadores ainda não determinaram quais
elementos acústicos da música provocam a reação. Seria a constância relativa da
altura de uma nota musical? Suas sobreposições harmônicas? Até mesmo definir o
que é música é complicado. “A música se define melhor por exemplos”, disse
McDermott.
Natalie Angier – escreve para o New
York Times,cobrindo genética, biologia evolutiva, medicina e outros assuntos;
ganhou um prêmio Pulitzer para uma série de 10 artigos de fundo sobre uma ampla
gama de temas científicos.
Fonte: The New York Times