Fêmeas de bonobos, sem
parentesco entre si, se uniram na floresta Wamba, na República Democrática do
Congo (Takeshi Furuichi)
As fêmeas de macacos bonobos
da floresta Wamba, na República Democrática do Congo, haviam acabado de fazer
seu desjejum e se preparavam para um cochilo no topo das árvores.
Mas uma das fêmeas estava no cio,
com seu traseiro inchado e rosado, e quatro machos do grupo estavam excitados
demais para dormir. Eles se revezavam balançando e pulando descontroladamente
diante da fêmea fértil e das suas colegas de galho.
De repente, três fêmeas mais
velhas e respeitadas subiram na árvore e partiram para cima dos machos
inconvenientes. Três deles fugiram, e o quarto foi encurralado e mordido,
enquanto uivava e se debatia para se soltar. Finalmente, “ele caiu da árvore e
saiu correndo, e não voltou a aparecer durante umas três semanas”, contou
Nahoko Tokuyama, do Instituto de Pesquisa de Primatas da Universidade de Kyoto,
no Japão, que testemunhou o encontro.
Descrevendo seu trabalho na
edição de setembro da revista “Animal Behaviour”, Tokuyama e seu colega Takeshi
Furuichi relataram que as fêmeas de bonobos de Wamba se uniam para se defender
de agressões masculinas, num padrão que desafia os manuais de comportamento dos
primatas.
As fêmeas adultas reagiam a
diversas provocações masculinas — investidas sexuais indesejadas, disputas por
alimentos, empurrões, chutes, ameaças vocais e inconveniências reiteradas —
formando coalizões de duas ou mais fêmeas, que juntas enfrentavam os machos
atormentadores.
As integrantes dessas
forças-tarefa cooperavam entre si apesar de não terem laços de parentesco ou
mesmo amizades sólidas. Por causa da chamada dispersão sexual, as fêmeas de
bonobos precisam deixar o seu local de nascimento pouco antes da puberdade para
encontrar outro ambiente social, o que significa que não há fêmeas adultas que
sejam parentes numa determinada comunidade de bonobos.
O estudo aprofunda a nossa
ainda incipiente compreensão sobre o Pan paniscus, esse primata enigmático e
ágil que vive apenas na República Democrática do Congo e está seriamente
ameaçado. Os bonobos são uma espécie-irmã do chimpanzé comum, o Pan
troglodytes, e ambos estão em pé de igualdade como o parente mais próximo do
ser humano.
A sociedade dos chimpanzés é
dominada por machos, com fortes vínculos entre estes e frágeis vínculos entre
as fêmeas.
No mundo dos bonobos, ao invés
disso, predomina a camaradagem feminina, ao passo que os vínculos entre os
machos são fracos. “É um matriarcado”, disse Amy Parish, primatologista da
Universidade do Sul da Califórnia. “As fêmeas comandam o espetáculo.”
As pesquisas mostram que
natureza dos vínculos fraternos entre as fêmeas de bonobos muda conforme as
circunstâncias, e que a mais eficaz forma de dissuasão contra o assédio
masculino talvez seja um pacto entre gerações.
A associação entre as fêmeas
tem seus limites. Os pesquisadores observaram que esse primata tem
inteligência, estratégia e potencial para a brutalidade. Parish já viu filhotes
de fêmeas dominantes arrancando comida da boca de adultas menos graduadas, numa
forma de ostentarem o seu poder herdado.
Os chimpanzés machos
permanecem em seu torrão natal, de modo que os vínculos entre eles se baseiam
no princípio evolutivo básico da seleção por parentesco. As chimpanzés fêmeas,
quando adultas, acabam cercadas por não parentes, e tratam de cuidar das suas
vidas.
Por que então as fêmeas de
bonobos passaram a cooperar entre si? E por que os bonobos machos não forjam
alianças semelhantes?
Condições ecológicas
diferentes podem ter contribuído para essa divergência. Segundo essa hipótese,
os bonobos evoluíram numa região com alimento relativamente abundante, o que
significava que as fêmeas podiam buscar alimento diante das outras sem brigar.
Quanto mais tempo passavam
juntas buscando alimentos, mais íntimas ficavam, e logo passaram a aplicar aos
demais suas demonstrações de respeito mútuo e tolerância, o que inclui o
rechaço a machos assediadores.
Os bonobos machos têm uma arma
social secreta: suas mães. Eles ficam com elas pela vida toda, e, à medida que
o status da mãe cresce por causa da idade, o dele cresce também.
Frances White, antropóloga
biológica na Universidade do Oregon, disse que as fêmeas com maior status podem
cultivar laços com fêmeas mais jovens como uma espécie de aposta. “A mãe está
encontrando parceiras para o seu filho”, disse White. “Por que um macho se
daria ao trabalho de assediar uma fêmea se a mãe pode fazer isso por ele?”
Natalie Angier – escritora de ciência para o
New York Times
Fonte: jornal NYT