Orelhas não se movem, mas temos o
sistema elaborado de amplificação seletiva do que nos interessa
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Os sentidos têm fama de serem passivos, meros sensores
permanentemente expostos aos acontecimentos –mas isso passa longe da verdade.
Boa parte do que o cérebro faz é controlar a aquisição de sinais do corpo,
permanentemente movendo, ajustando, ligando e até desligando
"antenas" variadas.
Olhos fechados impedem a visão, e se não se moverem
sempre que abertos, ficam cegos, com uma imagem "queimada" na retina
até que os fotorreceptores recuperem seus pigmentos (razão pela qual não se
deve olhar diretamente para os faróis do carro vindo em sua direção).
Nossas orelhas não se movem como as de tantos outros
animais, mas temos o mesmo sistema elaborado de amplificação seletiva do que
nos interessa ouvir, conforme o cérebro aumenta ou diminui a sensibilidade de
partes diferentes da orelha interna, como um microfone dinâmico.
Tato seletivo? Músculos servem para isso, oras: só
encostamos no que o cérebro escolhe –e se algo nos toca inadvertidamente, isso
é imediatamente notícia.
Cheiros, por outro lado, nos rodeiam o tempo todo. Ainda
assim, não sentimos cheiros o tempo todo (já notou?). E nem é preciso tapar o
nariz, vedando a entrada de ar: basta prender a respiração, truque rapidamente
aprendido como estratégia em situações fedorentas.
Cerca de cem anos atrás, o inglês Lord Adrian, um dos
primeiros neurofisiologistas, notou que só havia atividade elétrica detectável
no bulbo olfatório dos animais em seu laboratório quando passava ar por dentro
do nariz –como se o olfato fosse ligado e desligado o tempo todo.
Por décadas, a bizarrice escapou à investigação,
enquanto cientistas estavam mais interessados em entender como milhares de
receptores nos tornam capazes de identificar e distinguir cheiros uns dos
outros. Talvez a passagem de ar apenas trouxesse cheiros. Simples assim.
Mas não: nos últimos anos, a curiosidade humana sobre o
próprio corpo, aliada à investigação científica nos países que acham que isso
vale a pena, como a China, descobriu que os tais receptores olfatórios não são
apenas sensores químicos. São sensores duplos, detectores de fluxo de ar e de
substâncias químicas, que somente se ligam na presença de ambos –como uma
câmera de segurança ativada por movimento.
Mover e ajustar tantas antenas pode ser feito
conscientemente, o que é ótimo –mas dá trabalho. Ainda bem que o cérebro sabe
perfeitamente fazer isso tudo de modo automático, enquanto a gente cuida de
coisas mais interessantes do que quando olhar, tocar e cheirar.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro
"Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com