É uma limitação intrínseca do cérebro só conseguirmos prestar
atenção em uma coisa de cada vez.
Os
paulistas que me perdoem, mas não há como não chegar de avião ao Rio de
Janeiro. Vendo a cidade do alto, com suas praias e montanhas, é fácil ter a
sensação de deslumbramento que ela provoca nos turistas em sua primeira
passagem.
Quem mora há tempos na cidade, contudo, não costuma ter mais
essa sensação. Mas acredito que a perda da novidade é só uma pequena parte da explicação.
Fosse só por conta de um embotamento dos sentidos pela familiaridade, eu não
conseguiria fazer o que descobri ser possível: ver a cidade como se fosse pela
primeira vez.
A motivação, no começo, era brincar de enxergar nossa paisagem
como os descobridores portugueses devem tê-la visto --mas hoje em dia é um
exercício divertido, e que acaba ensinando sobre atenção, percepção e os dois
lados do cérebro.
É uma limitação intrínseca do cérebro (e não, por exemplo, culpa
da quantidade de informação do mundo moderno) só conseguirmos prestar atenção
em uma coisa de cada vez: ou a televisão ou o livro, ou o trânsito ou o
celular. Esta "uma coisa", no entanto, pode ser um conjunto
harmonioso de partes tão integradas que formam um todo só --e o todo, em vez de
uma de suas partes, pode ganhar o foco da nossa atenção.
Selecionar qual parte do mundo recebe processamento cognitivo
prioritário é o que chamamos de atenção espacial, função da área parietal do
córtex cerebral. Embora os dois lados do córtex parietal sempre cooperem no
processo, cada um leva uma certa vantagem sobre o outro dependendo se vamos
prestar atenção no todo (o direito) ou nas partes (o esquerdo).
A consequência mais importante dessa separação de funções (que
não tem nada a ver com a lenda do hemisfério direito criativo e o esquerdo,
racional) é que alternamos entre prestar atenção no conjunto ou nos pedaços que
o formam --mas não conseguimos fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Ou ouvimos
o solo da guitarra ou a música inteira; ou o violino ou a orquestra toda.
E, no caso da cidade onde moramos, o hábito nos faz dirigir a
atenção para os detalhes --os sinais de trânsito, o endereço que você procura,
a vaga na rua desejada. Em uma cidade estranha, por outro lado, costumamos
enxergar o todo primeiro, e só depois os detalhes.
Mas, como descobri, é possível brincar de sou-novo-na-cidade.
Graças à divisão de tarefas em seu cérebro, basta prestar atenção no todo, e
não nas partes.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora
da UFRJ e do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: blog www.suzanaherculanohouzel.com