Cresci ouvindo meu avô dizendo que começou a contribuir para
previdência com expectativa de receber 20 salários mínimos, índice que caiu
para 10 salários no meio do caminho. Quando ele finalmente se aposentou, teve
direito a cerca de 5 salários (hoje esse vínculo não existe) e ainda achou bom
porque um colega com idade e tempo de contribuição semelhantes recebeu menos
ainda.
O que o exemplo acima
sugere é que, se você tem de 20 a 45 anos e renda acima da média do brasileiro,
nem vale a pena perder seu tempo fazendo conta para saber quando poderá se
aposentar pela regra do 85/95, que será progressiva até 90/100. Conforme a
Medida Provisória 676, editada na semana passada, as mulheres já podem se
aposentar, sem desconto, quando a soma de idade e tempo de contribuição atingir
85 e os homens quando o resultado der 95.
A partir de 2017, a tabela será corrigida até alcançar 90 e 100
pontos, respectivamente, em 2022. Quer saber quanto vai ganhar do INSS? Zero ou
pouco Há pelo menos um avanço claro. É mais fácil fazer uma conta de adição do
que sacar a calculadora HP 12C do bolso e pegar aquela tábua atuarial que você
guarda na gaveta para aplicar o “fator previdenciário”, que era a regra geral vigente.
Mas a realidade é que, quando chegar a sua vez, a norma em vigor certamente
será outra.
E pior para você.
A proposta da MP 676 é tão equilibrada que nem parece que veio
de Brasília. Se já não fosse demais achar que uma medida de bom senso pudesse
prosperar, o próprio governo já avisou que ela nasceu com prazo de
validade. Para ser duradoura, a “escadinha” criada teria que continuar,
talvez avançando até 95/105, ou mais do que isso, e de preferência eliminando a
diferença entre mulheres e homens com o tempo. Mas não se viu espaço político
para ir tão longe, e para acertar tanto.
Não bastasse a transitoriedade já anunciada, os fiscalistas que
não veem além das planilhas e os irresponsáveis de sempre ainda têm a chance de
enterrar a MP no Congresso ou de desfigurá-la durante a tramitação. A grande
sacada da MP, que é a progressividade, está ameaçada. “O que nós precisamos é
mudar a regra de progressividade para que ela não acabe comendo o 85/95. Esse é
o papel do Congresso”, disse o presidente do Senado, Renan Calheiros, sobre o
texto. Diante desse tipo de comportamento, ainda que seja impossível dizer hoje
quanto cada um ganhará do INSS quando se aposentar, tenha em mente apenas uma
coisa: se for mais do que zero, será pouco. Seja porque o valor será
insuficiente para pagar suas contas ou porque, na melhor hipótese, você estará
tão rico que não fará diferença.
No modelo antigo, o
fator previdenciário era a garantia de que você receberia menos do que
imaginava quando “contribuía” pelo teto da tabela do INSS, que em tese daria
direito a um benefício de R$ 4.663 a valores de hoje. Pela complicação da
fórmula do fator, a sensação que o trabalhador tinha era a de que o valor do
benefício beirava o aleatório, embora sempre com viés de baixa. Ele entregava a
papelada na agência do INSS e ficava angustiado até receber a resposta com o
montante que seria sua renda mensal dali para frente. Quando vinha o retorno, a
angústia costumava aumentar, agora não mais pela dúvida, mas pela certeza.
Querer criar uma regra que seja ótima para os aposentados também
não resolve. A substituição do fator previdenciário pela regra fixa de 85/95
pontos contrabandeada na MP 664 ainda na Câmara numa manobra irresponsável do
centrão fisiológico, da oposição que esqueceu o passado e da situação que e não
sabe como ser governo era praticamente a sentença de morte do INSS. De nada
adianta escrever, seja na Constituição ou em contratos, que daqui a 20 ou 30
anos todos teremos aposentadorias polpudas, se as transformações demográficas e
a matemática jogarem contra. E isso vale tanto para o INSS como para a
previdência privada.
Ou por que será que os planos de benefício definido entraram em
extinção no mundo todo?
Existem aqueles que
negam a existência de déficit no INSS, por questionarem o método de cálculo
usado pelo governo para medir o buraco. Mas alocar mais tributos como sendo do
Ministério da Previdência ou redirecionar despesas como as da previdência
rural para o “bolo” geral do Orçamento não resolvem o problema. Apenas
transferem o rombo de lugar. O fator previdenciário não é uma boa regra porque
gera um equilíbrio em um ponto ruim. Ele não estimula as pessoas a adiar a
aposentadoria a fim de receber pelo teto.
A
maioria prefere pedir o benefício assim que pode. E o dinheiro recebido,
ceifado pelo fator, se torna um complemento de renda quando a pessoa ainda está
na ativa, praticamente no topo da carreira. E depois se mostra insuficiente
para dar boas condições de vida ao aposentado.
Vale
lembrar que o fator foi adotado como alternativa à idade mínima para
aposentadoria, que não passou no Congresso na década de 1990 também devido à
traição de governistas na época. Os estudiosos dizem que apenas ela pode curar
o déficit da previdência no longo prazo. Mas ainda que seja adotada em muitos
países, a idade mínima recebe uma crítica de injustiça social em um país desigual
como o Brasil. Isso porque os mais pobres, que normalmente começam a trabalhar
mais cedo, precisariam de mais anos de contribuição que os ricos, que costumam
entrar no mercado de trabalho depois de formados, para ter direito à
aposentadoria. Sem contar que ricos têm expectativa de vida maior. Ou seja, os
pobres trabalhariam mais e receberiam por menos tempo.
Daí que
vem a ideia de modelos como 85/95. O ruim dessa proposta são os números.
Começando a trabalhar aos 20 anos, uma mulher se aposentaria com 52,5 anos e um
homem com 57,5 anos, ambos recebendo o teto. É muito cedo. Uma meta de 105
pontos esticaria a idade de aposentadoria desse exemplo para 62,5 anos, o que
parece mais razoável para hoje, mas talvez seja pouco para 2030 ou 2040. A
única boa notícia para quem pensa em aposentadoria hoje no Brasil, embora seja
ruim para o país, é que os títulos do Tesouro estão pagando juros reais de
quase 6% até 2050. Isso ajuda quem começar a poupar já.
Fernando
Torres – jornalista do Valor, áreas de mercado de capitais e temas
societários e contábeis; possui MBA em Derivativos e Informações
Econômico-Financeiras.
Fonte: jornal VALOR