Ainda
sobre a escalação irregular, pela Portuguesa, de jogador suspenso na última
rodada do Campeonato Brasileiro de 2013: recentemente, no dia 22/1, o
Ministério Público de São Paulo informou ter averiguado que há evidências de
que “a Portuguesa sabia” que o jogador estava suspenso.
Naquele
dia e no dia seguinte a imprensa noticiou essa informação do MP. Cabe ressaltar
a maneira tímida e discreta como a imprensa mencionou a notícia. Foi um claro
contraste com o alarde e a exaltação com que os jornalistas esportivos trataram
o assunto durante semanas antes, quando, sobretudo ao longo de dezembro,
defenderam vigorosamente a Portuguesa, tratando-a como vítima, e atacaram
furiosamente aqueles entendiam que o clube merecia punição.
A
timidez e a discrição da imprensa esportiva agora foram tamanhas que o público
não foi esclarecido sobre as “evidências”.
O
óbvio ululante
No
entanto, a evidência principal apareceu ampla e repetidamente na própria imprensa
ainda na primeira quinzena de dezembro. Logo após ser descoberta (e denunciada
na Justiça Desportiva) a irregularidade referente ao jogador suspenso, a
imprensa correu, como seria normal e correto fazer, para saber o que os
representantes da Portuguesa tinham a dizer sobre o assunto. Desta maneira, a
imprensa informou ao público que a Portuguesa alegava que o seu então advogado,
presente no julgamento do STJD, não tinha avisado o clube que o jogador estava
suspenso por duas partidas; assim, segundo sucessivos representantes do clube –
a começar pelo seu presidente –, a Portuguesa tinha sido avisada sobre a
suspensão do jogador por apenas uma partida. O que denota, inequivocamente, que
a Portuguesa sabia que o jogador estava suspenso por uma (aquela) partida. Ela
não saberia que a suspensão se estendia também a uma segunda partida, a
primeira que vier a ser disputada em 2014 em torneio organizado pela mesma
entidade, a CBF.
Portanto,
já em dezembro, logo no início quando a descoberta e denúncia do caso foram
feitas, a imprensa divulgou amplamente a principal evidência. Apesar disso, os
jornalistas esportivos preferiram ignorar essa evidência, clara e contundente,
e repetiram freneticamente que a Portuguesa não sabia que o jogador estava
suspenso. Nem agora, com o Ministério Público informando sobre evidências
contrárias, a imprensa esportiva descobriu o que ela mesma tinha noticiado.
Então,
não é apenas que, agora, o MP de São Paulo descobriu que a Portuguesa sabia
sobre a suspensão; mais do que isso, que a Portuguesa sabia é óbvio e ululante
desde logo no início. Os jornalistas esportivos, com vontade de se enganarem,
não viram o óbvio e ululante, a evidência clara e contundente. Ao invés de se
restringirem, ponderadamente, a entender a notícia, os jornalistas,
romanticamente e imbuídos de fervor, “desentenderam” e contrariaram a realidade
evidente. Por isso, a imprensa esportiva foi obrigada à timidez e discrição
quando o MP paulista apontou a existência de evidências que contrariam os
discursos despropositados dos jornalistas.
Discursos
e inverdades
Que
“a Portuguesa não sabia que o jogador estava suspenso” é apenas uma de várias
inverdades ditas e repetidas exaustivamente pela imprensa nesse caso. O extremo
desserviço dos jornalistas esportivos continua incólume. Primeiro, a imprensa
publicou o que o MP de São Paulo anunciou, mas não explicou ao público que a
evidência principal era sempre evidente à luz do que a própria imprensa
publicou em dezembro. Além disso, a imprensa permanece omissa em desfazer as outras
inverdades com que ela tentou se enganar e enganar o público.
Os
tangarás, os cucos e os chupins da imprensa esportiva mandaram as evidências,
os escrúpulos e as verdades (não necessariamente nessa ordem) às favas. No
entanto, um conjunto de inverdades mal ajuntadas e repetidas freneticamente não
deixa de ser tão somente um monte de inverdades reunidas e repisadas. “A
Portuguesa não agiu com má-fé e não houve dolo porque não sabia da suspensão, a
partida não valia nada e o clube se pautou pelo boletim da CBF. Além disso, o
jogador não interferiu no resultado e a punição de perda de quatro pontos é
desproporcional, mas, se for para ser aplicada, devia ser aplicada apenas no
próximo campeonato e a punição faria sentido se o jogador fosse um Enéias (grande
jogador da Portuguesa nos anos 70 e 80) ou um Dener, não um ‘jogador qualquer’,
afinal”. Os discursos dos jornalistas esportivos primam pelas inverdades e pela
inversão da realidade.
É
preciso desfazer toda a inversão cometida pela imprensa: a Portuguesa sabia,
sim, da suspensão, a partida valia pelo menos triplamente para a Portuguesa
(pequena possibilidade de rebaixamento, prêmio em dinheiro dado pela CBF e,
mais importante, a Portuguesa queria vaga na Sul-Americana, o que ela poderia
obter caso vencesse aquela partida), além de valer para outros clubes, a
Portuguesa não se pautou pelo BID da CBF naquela rodada pelo mesmo motivo que
nem ela nem nenhum outro clube antes, ao longo de cada uma das rodadas no ano
inteiro, não se pautou pelo boletim da CBF (se a Portuguesa, ou qualquer outro
clube, tivesse se pautado antes pelo boletim o problema já deveria
necessariamente ter ocorrido antes). Além disso, a partir do momento em que o
jogador entrou em campo, a presença (ou não) dele em determinado lugar a cada
momento interfere na partida (por exemplo, os jornalistas que alegaram o
contrário não podem garantir que a presença dele em determinado lugar não
impediu que uma jogada terminasse em gol do time adversário); se a presença do
jogador não foi decisiva a favor da Portuguesa, o fracasso no resultado
pretendido com a fraude não suspende, não anula, não cancela a fraude (os
jornalistas não percebem isso?).
Mais
ainda: se o jogador tivesse interferido de forma mais direta e decisiva, por
exemplo, marcando um gol que daria a vitória à Portuguesa na partida que
terminou empatada, então a punição a ser aplicada seria a perda de seis pontos,
e não de apenas quatro pontos como efetivamente ocorreu; deste modo, a perda de
pontos tal como ocorrida foi, sim, proporcional (os jornalistas esportivos que
defenderam que houve desproporcionalidade sabiam disso, mas preferiram ignorar
para melhor se enganarem). Nesse caso, haveria desproporcionalidade se o clube
fosse punido com a perda de mais de quatro pontos. Ainda, haveria desproporcionalidade
se o clube perdesse menos de quatro pontos. Ao contrário do que os jornalistas
esportivos não se cansaram de esbravejar, a perda de quatro pontos foi
proporcional. Desproporcionais no caso foram os discursos imponderados e as
inverdades dos jornalistas. Boa fé punida só a do respeitável (mas não
respeitado) público, que se tentou ludibriar pela repetição lamentável de
inverdades grosseiras.
Opção
nada desprezível
Que
falta de credibilidade dessa imprensa. A desfaçatez é tamanha que à medida que
suas inverdades venham eventualmente a serem publicamente desfeitas e as
verdades venham a aparecer, esses jornalistas esportivos dirão que “da mesma
maneira” que antes defenderam as inverdades “agora” se posicionam contra
aquelas mesmas inverdades. “Da mesma maneira”? Foi exatamente o que já ocorreu
quando um desses profissionais da imprensa esportiva foi comentar a notícia
sobre as evidências do MP de que a Portuguesa sabia que o jogador estava
suspenso: “da mesma maneira” (foi a expressão que ele usou) que antes ele tinha
sido contra a punição à Portuguesa “agora” ele defende que, se a Portuguesa
sabia, então ela deve ser punida. A única coisa que continua “da mesma maneira”
é que ele e seus colegas não reconhecem que as evidências já eram óbvias e
ululantes de que a Portuguesa sabia, que a partida valia, etc., e que essas
evidências já eram públicas em dezembro.
O que
cabe ao respeitável público no futuro? Me lembrei de quando, alguns anos atrás,
houve greve dos jornalistas na Itália e uma rodada do Campeonato Italiano teve
partida televisionada “apenas” com som ambiente do estádio, sem narrador, sem
comentarista e sem repórter: o telespectador teve a oportunidade de
experimentar uma opção nada desprezível. Felizmente, imprensa esportiva não é importante
como serviços médicos e de saúde, educação, serviços públicos essenciais como
transporte, saneamento etc.
Pedro Eduardo Portilho de Nader -
doutor em Filosofia, Campinas, SP
Fonte: site Observatório da Imprensa