Revelado o caminho da pele ao
coração, digo, ao hipotálamo
Pesquisadores seguiram a pista da ativação de neurônios da pele até o
cérebro.
Ah, que colírio para a alma:
a Society
for Neuroscience, entidade estadunidense que reúne neurocientistas
do mundo todo, criou um prêmio novo que celebra novos talentos e deu exemplo
justo no ano em que a Suprema Corte dos EUA proibiu ações pró-diversidade.
A primeira a subir ao palco
principal da reunião anual, acontecendo nesta semana em Washington, D.C., foi
Kanaka Rajan, uma moça de origem sul-asiática que faz um trabalho lindo em
neurociência computacional, extraindo da atividade de dezenas de neurônios
informação diretamente relacionada a comportamentos variados.
Dessas coisas que
o pessoal de inteligência artificial fica babando. Jovem, parda, já professora
associada em Harvard. Um exemplaço.
E em seguida subiu ao palco Ishmail Abdus-Saboor, um jovem negro
professor associado na Universidade Columbia, em Nova York, que estuda os
circuitos responsáveis pelas sensações de dor e sua antítese: carinho.
O nome oficial é "toque social", mas estamos falando
de carinho mesmo.
Esse é um tipo de sensação que, junto com a dor, e mais
recentemente queimação e coceira, nunca fez sentido para eu agrupar como
"toque grosseiro", que é o que os estudantes brasileiros ainda vão
encontrar nos livros didáticos.
O "grosseiro" vem do fato de esse
tipo de toque não ter resolução suficiente na pele –nem poderia: para ativar
essas fibras, é preciso tocar uma boa área da pele de uma vez só, com uma certa
pressão e em movimento.
Ou seja: é preciso fazer carinho no animal, humano ou
não.
Ou então ser
camundongo nascido no laboratório do Abdus-Saboor, com um gene inserido no seu
DNA que torna os receptores de carinho na sua pele, e somente eles, sensíveis à
luz azul.
Neste caso, basta acender luz azul sobre a pele (raspada) do dorso de
camundongas para elas imediatamente se curvarem feito gato ou cachorro que pede
mais festinha.
Mais uns truques genéticos daqueles que só são
possíveis quando um governo financia generosamente pesquisa científica.
E a
equipe de Abdus-Saboor pôde seguir a pista da ativação de neurônios circuito
acima, até o cérebro.
Por que carinho é tão bom?
Porque sobe quase que diretamente ao hipotálamo e de lá chega à parte do
cérebro que manda ver na dopamina, que ativa o estriado ventral, que volta ao
hipotálamo e reforça o que quer que o animal esteja fazendo, como se "submeter"
à fonte do carinho.
Que, não por acaso, pode ser um
outro animal interessado em... sexo.
Quando a equipe usou os mesmos truques
genéticos para destruir apenas os neurônios sensíveis ao carinho na pele, o
resultado foi inequívoco: fêmeas com zero interesse em sexo ou tolerância com
machos interessados, que elas agora repudiavam agressivamente, mesmo quando no
cio.
Não somos camundongos, mas já
sabemos o suficiente para supor que os circuitos são exatamente os mesmos,
então, humanos, anotem aí: o caminho para o hipotálamo daquela pessoa especial
que você quer muito que aceite seus avanços sexuais começa com o bom e velho
carinho.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).