A porca se deita de lado permitindo que os porquinhos
recém-nascidos tenham acesso a seu leite. Sabe-se, graças à infinita
curiosidade humana, que cada porquinho vai eleger uma mama e mesmo de olhos
fechados se dirigirá a ela toda vez –é só numerar a mama e o porquinho, e a
prova científica está dada. Tendo cumprido sua função, a porca solta um
grunhido assustador e a porcada sai correndo, pois percebe que a festa acabou
–satisfeitos ou não– e não se fala mais nisso. A natureza é tão eficiente que a
porcada cresce linda e forte, sem maiores problemas a não ser o destino de se tornar
bacon, do qual nunca desconfiarão –santa ignorância.
Do outro lado do universo vivente, a mãe humana
descobre, já na maternidade, que o "porquinho humano" é o mais
tinhoso dos mamíferos. Pensemos no caso de uma mãe indiana desesperada com a
recusa persistente de seu recém-nascido em mamar. O pediatra, para surpresa de
todos, sugere incrementar a dieta da mãe com curry –tempero onipresente
na culinária do país. Ato contínuo, o bebê começa a mamar com a voracidade
esperada. Conclusão: acostumado a sentir no líquido amniótico o gosto da dieta
caseira da mãe, o pequeno, não encontrando o paladar esperado, se recusa a
mamar.
O estudo das competências do bebê recém-nascido é
fascinante e nos alerta para a importância das experiências mais precoces. As
competências são, digamos, "configurações de fábrica" para dar conta
da vida aqui fora. O bebê, diferentemente dos outros mamíferos, nasce faminto
pelos odores, as vozes, o toque e os gostos com os quais conviveu durante a
gestação, sendo capaz, por exemplo, de reconhecer a voz do pai na sala de
parto. Se as rotinas hospitalares de parto derem chance, ele virará a cabeça de
olhos arregalados na direção da tão conhecida voz (sugiro assistirem
"breast crawling" no YouTube).
Sabendo disso, talvez você se inquiete com um bebê que
tenha sido separado da mãe logo ao nascer devido a uma internação na UTI, pela
entrega em adoção ou, ainda, por uma separação evitável, como no caso de
hospitais que seguem protocolos anacrônicos.
Mas é aí, nas situações adversas, que o bebê mostra que,
diferentemente dos porquinhos, é a linguagem que nos faz humanos. Fazemos uso
da linguagem de forma tão radical, que algumas intervenções verbais podem
reverter quadros somáticos gravíssimos na UTI neonatal e outras podem pôr tudo
a perder.
Enquanto os pais são bombardeados com disputas
mercadológicas sobre o uso ou não da chupeta, do aleitamento, da cama
compartilhada, do tipo de parto, busca-se ignorar que é da transmissão de
nossas histórias e afetos –ambivalentes, falíveis– que o humano é feito.
Cabe
ao bebê chorar e cabe ao adulto estar lá para tentar acalmá-lo, não supondo que
deveria ser capaz de adivinhar o que o bebê quer –nunca saberemos realmente o
que um bebê queria, mesmo quando conseguimos que ele pare de chorar! Trata-se
de tentar transmitir ao bebê que, na hora do sofrimento, ele não está sozinho.
Alguém, que se dirige a ele como semelhante, que tem uma voz, um cheiro e um
olhar de compaixão, não o abandonará. Consolo imperfeito, que sempre deixa a
desejar. E é disso que se trata criar seres humanos. Trata-se de criar
seres desejantes, e não porquinhos.
Vera
Iaconelli - psicanalista, fala sobre
relações entre pais e filhos, as mudanças de costumes e as novas famílias do
século 21.
Fonte:
coluna jornal FSP