Brasil deveria estar discutindo é em quem votar, e não sobre como votar.
Na semana passada, políticos mal-intencionados circularam no WhatsApp um
vídeo falando sobre a questão da segurança das urnas eletrônicas.
O protagonista desse vídeo sou eu e, obviamente, não autorizei seu uso.
Ele foi gravado em 2017 no programa Estudio i, da GloboNews.
Na versão que
circula na rede, o vídeo é editado e tirado de contexto para fazer acreditar
que as urnas brasileiras não são seguras. Essa tentativa de propaganda com a
minha fala é enganosa e absurda.
No vídeo original, falo de como uma conferência de segurança da
informação nos EUA —a Defcon— fez um teste de segurança com alguns modelos de
urnas eletrônicas e todas tiveram sua segurança quebrada.
Na versão circulada
no WhatsApp, cortaram o trecho em que falo claramente: “A gente tem que lidar
com calma, as pessoas podem achar que tem a ver com o Brasil”.
Nenhuma das urnas que foram testadas é a utilizada no Brasil.
O
objetivo da minha fala era alertar para a questão central da cibersegurança em
qualquer dispositivo digital, ainda mais nas urnas. Esse alerta foi ouvido e
implementado.
Desde 2017 o Tribunal Superior Eleitoral continua a avançar
enormemente nos testes de segurança das urnas eletrônicas, permitindo que elas
sejam auditadas publicamente, inclusive por hackers e especialistas
independentes de cibersegurança.
O fato é que em mais 25 anos de uso nunca
houve indício ou comprovação de fraude na urna brasileira.
Além disso, fraudar uma eleição presidencial por meio de ataques
às urnas eletrônicas é tarefa na prática impossível.
Seria necessário atacar
fisicamente, uma a uma, centenas de milhares de urnas.
Cada um desses ataques
precisaria ser bem-sucedido.
O esforço necessário teria de ser oculto e
demandaria uma logística maior do que a própria realização das eleições
nacionais.
Então, só para deixar claro: a chance de alterar o resultado das
eleições presidenciais atacando as urnas eletrônicas é zero.
Essa chance é
menor do que se a votação fosse feita em papel, que demanda
mais fiscais de mesa e de contagem.
Com isso, fica a constatação de que a circulação do meu vídeo na
internet não tem o mesmo objetivo que o meu, de promover a cibersegurança das
urnas.
O objetivo é outro: disseminar medo, desinformação e confusão na
sociedade brasileira.
As urnas eletrônicas, como todo dispositivo
digital, demandam ações permanentes. O TSE tem zelado por essa responsabilidade
usando padrões adequados.
Mais do que isso, essas peças de propaganda
sensacionalistas sobre as urnas têm o objetivo de gerar distração. O que o Brasil
deveria estar discutindo sobre 2022 é em quem votar, e não sobre como votar.
Em vez de propor a volta do papel, o que o país deveria discutir é a
criação de uma identidade digital única para cada cidadão e cidadã do país.
Essa identidade digital (que eu defendo que seja autossoberana e proteja
totalmente a privacidade) poderá no futuro permitir que a votação seja feita
não só pela urna mas também pelo celular.
Países como Alemanha, Canadá, França,
Suíça e Suécia têm feito testes sobre isso. A Estônia já implementou. Isso não
só aperfeiçoaria a democracia como acabaria com outra mazela do país, que é a burocracia.
O país não deveria estar falando sobre trazer de volta o papel, que
representa o passado. Deveria estar falando sobre construir o futuro.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.