Reforma trabalhista entrou em vigor no Brasil em
novembro do ano passado.
No
final de 2017, veículos de comunicação e políticos fizeram grande alarde dos
números de criação de empregos do Brasil ao longo do mês de novembro. A
divulgação ocorre todos os meses, mas aqueles dados receberam destaque
especial. Isso porque era o primeiro mês em que a reforma trabalhista estava em
vigor e, apesar dela, o número de empregos havia caído.
Apenas
com essas informações, todavia, não é possível concluir que há relação entre a
reforma e a queda nos postos de trabalho observada ao longo do mês. Explicamos.
Em
análises teóricas, economistas lançam mão de modelos em que vários aspectos da
realidade são simplificados para permitir que se obtenham resultados claros e
intuitivos. Como o mundo real é muito complexo, modelos com todos os detalhes
seriam complicados e inúteis, pois não gerariam nenhum resultado que pudesse
ser confrontado com os dados.
Uma
das ferramentas nessa simplificação é o ceteris paribus, expressão latina que
significa "tudo o mais é constante", "tudo o mais permanece
igual". Um exemplo de aplicação desse conceito: gostaríamos de saber se a
flexibilização das leis trabalhistas aumenta ou não o emprego. Para isso,
elaboramos um modelo tentando descrever os comportamentos de empregadores e
empregados e como suas decisões interagem no mercado, em função da legislação.
Dentro
do modelo, o efeito da legislação pode então ser captado por uma alteração
nessa variável. É aqui que entra o ceteris paribus. Variamos apenas o grau de
rigidez da legislação, e nada mais. Isso é útil, pois permite captar o impacto
apenas dessa variável, isolando a análise de outros fatores que porventura
mexam com o emprego.
No entanto, quando passamos à análise empírica para
avaliar o mecanismo teórico, temos um desafio: nos dados não há ceteris
paribus. Outras variáveis não estão paradas. Diversos outros fatores podem
impactar a estatística de emprego, além da legislação trabalhista. Como saber
se o que observamos foi resultado da política, e não de outras variáveis que
estão se mexendo?
Por isso olhar para o dado bruto de emprego em um mês
não nos diz muito sobre o efeito de um fator como a legislação trabalhista.
Um exemplo desse fator adicional é sazonalidade. Ao longo de todo ano, há meses
em que a atividade tipicamente é mais fraca, e outros em que é mais pujante. E
novembro é um desses meses mais fracos para emprego.
Se expurgarmos o efeito sazonal, notamos um pequeno
aumento no emprego em novembro. Novamente, pelos motivos acima levantados, não
dá para colocar isso na conta da reforma trabalhista.
Na verdade, de modo geral, esse tipo de análise
equivocada, em que se considera um dado agregado para avaliar o efeito de uma
política, ocorre frequentemente e em diversos contextos. No PorQue.com.br, por
exemplo, já tivemos discussões nessa linha para o caso da cobrança de bagagens e preço das
passagens aéreas e para o caso do limite de velocidades das marginais
paulistanas e número de acidentes letais.
Para avaliar de maneira rigorosa os efeitos de uma
política pública, recorre-se a experimentos aleatórios controlados.
Basicamente, selecionam-se dois grupos de indivíduos —um que será exposto à
política, chamado de "grupo de tratamento", e outro que servirá como
comparação, não sendo exposto à política, chamado "grupo de
controle". A definição de quem fará parte de cada grupo é dada por sorteio
aleatório.
O efeito da política pode ser estimado pela diferença
média entre os grupos. Fatores que afetam a todos os indivíduos ao mesmo tempo,
assim, cancelam-se na comparação. É o mais próximo que conseguimos chegar da
ideia de ceteris paribus.
Veja, como exemplo, o artigo de Nina Cunha e coautores,
que recentemente discutimos. Eles avaliam o efeito
de informar pais de alunos sobre sua frequência na escola, com base em dados da
rede pública do estado de São Paulo. Para tanto, consideram um grupo de
tratamento, com crianças cujos pais passaram a receber periodicamente mensagens
de SMS com informações sobre o número de faltas de seus filhos, e um grupo de
controle com alunos cujos pais não receberam essas mensagens.
O efeito da intervenção é a diferença média (em termos
de frequência e desempenho escolar) entre os dois grupos. Os autores
encontraram efeitos significativos nessas dimensões.
Entretanto, quando olhamos dados agregados, com a
política valendo para todo mundo (como no caso da reforma trabalhista), é muito
mais difícil lançar mão de uma técnica como a descrita acima. No mundo da
macroeconomia, raramente há experimentos controlados.
Trata-se de uma questão de grande relevância.
Certamente, no futuro, alguém encontrará uma forma criativa de avaliar com
rigor a política, mesmo sem a possibilidade de recorrer a experimentos
controlados. Por ora não dá para afirmar muita coisa com base na informação
disponível. Haja vista que faz pouquíssimo tempo que a reforma foi implantada.
Murilo Aith –
advogado, sócio de Aith, Badari, Luchin Advogados