Reproduzido do Jornal
Pessoal nº 553, da 2ª quinzena de janeiro/2014; intertítulos do OI
Continuação
das manifestações de protesto de junho, o “rolezinho” de dezembro do ano
passado é uma novidade ainda à espera de um melhor entendimento. Não está
previsto nas leis em vigor e desafia a aplicação da própria Constituição. É
preciso vê-lo mais, estudá-lo mais e procurar um enquadramento legal, dando-lhe
também legitimidade.
Seria
apenas um encontro de jovens convocados pela internet para se reunirem em
shoppings centers de grandes cidades, principalmente nos que ficam na
periferia, onde eles moram. Os shoppings se tornaram os pontos naturais de
convergência de jovens sem alternativa de lazer. A partir da opção preferencial
por esses centros de consumo e exposição como programa social, a realidade foi
sendo enriquecida e modificada.
O
crescimento do número de participantes e algumas ações mais agressivas
alarmaram os donos dos estabelecimentos comerciais e a polícia, que, como de
hábito, se excedeu na repressão aos desdobramentos que os encontros de jovens
tiveram.
O
fenômeno não pode ser tratado pela polícia, mas também não pode ser
simplesmente albergado em capítulos dos direitos humanos. Extrapola essas
bitolas. Em ano eleitoral, pode crescer descontroladamente e acabar entrando
nas batalhas pelo poder travadas por políticos estereotipados.
Pé da
letra
Parece
que uma boa maneira de lidar com esse fenômeno é ir à sua origem, nas redes
sociais da internet. As autoridades podiam dialogar com os líderes desse
movimento através da rede mundial de computadores, acertando com eles a melhor
maneira de fazer as reuniões sem o risco de que eles percam o controle e seus
encontros degenerem em vandalismo e roubo.
Um
diálogo sério e compreensivo talvez estimulasse essas lideranças a se
identificar e assumir compromissos com aqueles responsáveis pela ordem pública
e a segurança pessoal e patrimonial de quem frequenta os shoppings, e dos
empresários e seus funcionários.
É bem
sintomático que filhos de pais dessa nova classe média criada pelas políticas
ditas de inclusão social do PT tenham dado partida aos “rolezinhos”, que viram
“rolezões”. Assim, eles saem do mundo virtual e quebram o anonimato para se
reunirem nos templos do consumo, nos quais podem se tornar pessoas públicas e
notórias, o tal do “protagonismo” (expressão do dicionário do “políticamente
correto”).
Dar a
oportunidade a esses jovens de alcançar seus objetivos sem que sejam utilizados
por outros personagens para fins diversos devia ser a preocupação maior antes
de liberar a polícia (ou a segurança privada) para tratar de um problema que
transcende sua competência e razão de ser.
Há um
evidente impulso de repúdio à discriminação nesse movimento. Há também o
preconceito na definição imediata dos que tentam reduzi-lo a um caso de
polícia. Basta ter circulado antes pelos shoppings nos quais foram realizados
os “rolezinhos” e vê-los agora, depois dos incidentes, com controle desigual
das pessoas que chegam, para ver que, como na justiça e nas cadeias, são apenas
os PPP do folclore popular. Todos os condenados do mensalão logo estarão em
suas casas – e sem precisar fugir, caso único do bancário Henrique Pizzolato.
Também
é um erro usar a expressão apartheid social para essa situação. Até antes do
novo fenômeno, qualquer pessoa entrava livremente nos shoppings. Movimentar-se
deixava de ser o mesmo para os protótipos policiais de delinquentes e de risco.
Grande parte da polícia ainda age pela cartilha de Lombroso, sem jamais havê-lo
lido.
A
vigilância, contudo, não se transforma de imediato em repressão. Podem ocorrer
abuso e violência em função de alguma precipitação dos seguranças e policiais,
mas não é regra. E mesmo acontecendo como exceção, raramente conta com o apoio
ou a simpatia das pessoas presentes, quando o abuso (e o erro de avaliação) se
torna evidente.
A
situação atual é aceitável? Claro que não. Daí o sucesso dos “rolezinhos”
realizados ao pé da letra, sob o controle dos seus criadores e os integrantes
das suas redes na internet. O ajuste, entretanto, não será feito por acomodação
natural. Se deixarem seguir o fenômeno nos desdobramentos que já existem, é
problema certo e mais grave no futuro, transferindo-se para a competência
policial de verdade.
Ação
mediadora
É
necessária a mediação de quem se interessa pelo assunto, tem competência
específica firmada, possui legitimidade para agir ou é a autoridade legal (como
há várias, elas têm que se harmonizar e serem coordenadas, além de
fiscalizadas).
Uma
boa ação mediadora reabrirá os shoppings da periferia aos seus moradores (ou
qualquer outro shopping, diante da tutela constitucional ao ir e vir do
cidadão, que precisa dessa condição para o pleno exercício desse direito),
criará novos locais de encontro e diversão, além de estudo e esporte, para
corrigir rumos e permitir que a cidade seja uma boa obra humana e não um
inferno, como sugere a pior perspectiva em curso.
Lúcio Flávio Pinto - jornalista, editor do Jornal
Pessoal (Belém, PA)
Fonte: Jornal Pessoal
nº 553, da 2ª quinzena de janeiro/2014; intertítulos do OI