Não há dúvida de que, quando se trata de buracos negros,
a realidade é bem mais estranha do que a ficção.
Visite uma escola do nível fundamental e mencione
buracos negros para as crianças. Ou, se não numa escola, na mesa de jantar.
A reação é imediata: os olhos se arregalam, revelando
uma mistura de fascínio e medo. Para uma criança (e os felizes adultos que mantêm
sua curiosidade viva), a imagem de um buraco no espaço que engole tudo o que se
aproxima dele é inacreditável. "O melhor lugar para você mandar seus
inimigos", brinco, quando dou palestras nas escolas.
Que a força da gravidade pode fazer isso –curvar uma
região do espaço tão dramaticamente que se fecha sobre si mesma– faz dela a
mais estranha das quatro forças que conhecemos.
Todo mundo sabe que a gravidade é o que faz as coisas
caírem. E que ela nunca descansa.
Outro dia, meu filho de seis anos me perguntou se, no
espaço, não existe gravidade. Antes que pudesse responder, seu irmão de onze
anos interrompeu: "Claro que não! Sempre tem um pouco de gravidade, a
menos que você esteja infinitamente distante de todos os objetos com massa no
universo, o que é impossível".
Isso mesmo. A gravidade conecta tudo no universo. Você
está conectado com a Lua, com as pessoas à sua volta, com os anéis de Saturno.
Tudo atrai tudo. A menos que...você esteja em queda livre. Quando você cai, não
sente o próprio peso e tudo se passa como se a gravidade não existisse.
Essa ideia pode parecer estranha, mas se nos lembramos
do que acontece em um elevador, sabemos que faz sentido: quando o ele desce
rápido, você se sente mais leve. Quanto mais rápido o elevador desce, mais leve
você se sente, aquele frio na barriga.
Einstein descobriu isso entre 1905 e 1910, quando
tentava expandir sua teoria da relatividade de 1905, a especial, para incluir
objetos que aceleram. Na teoria especial, considerou apenas objetos com
velocidade constante.
Einstein deve ter tido um choque quando percebeu a
relação entre aceleração e gravidade. Mais tarde, disse que essa foi a ideia
"mais feliz da carreira". Mas faz sentido.
Quando você sobe num elevador que acelera, se sente mais
pesado; e quanto mais rápido (quanto maior a aceleração do repouso ao
movimento) mais pesado você se sente. Gravidade e aceleração têm uma relação
profunda.
A teoria da relatividade geral de Einstein propôs um
novo modo de se pensar sobre a natureza da gravidade, indo além da teoria de
Newton –não que ela estivesse errada. É ainda a teoria que usamos quando
mandamos foguetes ao espaço ou calculamos a trajetória de aviões ou misseis.
Mas quando a gravidade é forte, a teoria de Einstein é
melhor. Em ciência, uma teoria "melhor" significa que, quando
comparada com observações, produz resultados mais precisos.
E como a teoria de Einstein faz isso?
Propondo uma mudança conceitual profunda: a gravidade
pode ser interpretada como sendo a curvatura do espaço em torno de um objeto:
quanto maior a massa do objeto, mais o espaço se curva a sua volta. Portanto,
perto de uma estrela, o espaço é mais curvo do que perto de você. E não só o
espaço. O tempo também é afetado, passando mais devagar em regiões com
gravidade mais forte.
Pergunta ao leitor: um relógio na superfície do Sol
(supondo que seja possível colocar um lá), marca a passagem do tempo mais
rápido ou mais devagar do que na Terra?
Se você respondeu mais devagar, você acertou!
No caso dos buracos negros, esse efeito vai ao extremo.
Uma pessoa longe do buraco negro veria um relógio que se aproxima marcar a
passagem do tempo cada vez mais devagar, até praticamente parar...Como isso é
possível?
As estrelas são meio como pessoas, ao menos no seu ciclo
de vida: nascem (em regiões no espaço ricas em gases chamadas de berçários de
estrelas), vivem dramaticamente, fundindo hidrogênio em hélio por um longo
tempo, até "morrerem", quando o hidrogênio no seu centro acaba.
Sem a energia liberada pela fusão nuclear para
contrabalançar a constante pressão da gravidade, a estrela entra em colapso,
liberando quantidades enormes de massa e energia. Estrelas bem grandes, com
massa ao menos oito vezes maior do que a do Sol, terminam seus dias detonando em
supernovas, gigantescas explosões. Seu centro, o que sobra após a explosão, é o
que pode virar um buraco negro.
Existem duas possibilidades: estrelas com massa
aproximadamente entre oito e vinte vezes a massa do Sol viram estrelas de
nêutrons –um corpo celeste feito principalmente de nêutrons, os companheiros
dos prótons no núcleo atômico. Por quê?
No frenesi do colapso, com a gravidade ficando cada vez
mais forte, prótons e elétrons são espremidos a tal ponto que fundem em
nêutrons. Nêutrons podem resistir à pressão da gravidade até valores incríveis:
uma estrela de nêutrons tem tipicamente a massa do Sol e o tamanho duma
montanha!
Mas se o centro da estrela é pesado demais, nem os
nêutrons podem segurar a gravidade. O colapso continua, a gravidade ficando
cada vez mais intensa, até que nem a luz pode escapar: assim nasce um buraco
negro!
Buracos negros aparecem em tamanhos diversos. Até em
miniatura, em princípio, podem ser criados em colisões de partículas como as
que ocorrem no Grande Colisor de Hádrons no Cern, o laboratório onde o bóson de
Higgs foi descoberto em 2012. Mas
não se preocupe, esses miniburacos negros evaporam em uma fração ínfima de
segundo e não vão engolir o planeta.
Os grandes são os que realmente criam caos pelo universo
afora. Sabemos que existem, algo que Einstein não quis aceitar. Para ele, a
ideia de um objeto onde, no seu centro, a gravidade pode atingir um valor
infinito e as leis da natureza deixam de funcionar era inaceitável.
Desculpe Einstein, mas os buracos negros existem.
Sabemos que o coração de quase todas as galáxias tem um gigantesco. Na Via
Láctea, por exemplo, o buraco negro tem uma massa de quatro milhões de sóis. Em
Andrômeda, nossa galáxia vizinha, o monstro pesa mais do que cem milhões de
sóis.
Também "vimos" as ondas gravitacionais criadas
na colisão entre dois buracos negros, uma descoberta que valeu o prêmio Nobel de Física do ano passado, como relatamos aqui recentemente.
O que permanece um mistério completo é o que acontece
dentro de um buraco negro.
Uma vez que passamos do ponto sem volta (também chamado
de horizonte), as coisas mudam de forma curiosa. Na nossa realidade aqui fora,
podemos viajar pelo espaço livremente, mas não no tempo. Dentro de um buraco
negro, esses papéis são meio que invertidos. Podemos viajar só numa direção no
espaço, direto ao centro do buraco negro. Já o tempo, possivelmente, fica
livre. Talvez seja até possível ver todos os momentos simultaneamente, como no conto sensacional de Jorge LuisBorges, "O Aleph".
Também é possível que não exista uma singularidade no
centro, mas alguma outra coisa. Certas teorias especulam que um buraco negro é
um túnel para um outro ponto no universo (conhecido como ponte de
Einstein-Rosen), ou até mesmo para outro universo. Não sabemos.
Outra possibilidade é que, no centro do buraco negro, a
física seja outra, ainda desconhecida, e que o conceito de singularidade seja
só uma ideia temporária. Essa é minha possibilidade preferida.
De qualquer forma, temos ainda muito o que aprender
sobre a gravidade. É irônico que a força da natureza que nos é mais familiar é,
também, a mais misteriosa.
Isso me faz lembrar das palavras do próprio Einstein,
que gosto de mencionar sempre: "O que vejo na natureza é uma estrutura
magnífica que compreendemos muito imperfeitamente, e que deveria inspirar
profunda humildade naqueles que refletem sobre o mundo"
Marcelo
Gleizer -
professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA).
Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'.
Fonte:
coluna jornal FSP