Inteligência artificial é capaz de determinar se uma
pessoa é gay apenas com análise de foto
Na semana passada, ganhou repercussão um estudo
sobre inteligência artificial que tem como um dos autores Michal Kosinski. Só
lembrando, Kosinski ficou famoso por escrever em Cambridge um trabalho que vem
sendo utilizado por empresas como a Cambridge Analytica para prever o
comportamento de eleitores. Muita gente atribui parte da vitória de Donald
Trump às campanhas de manipulação que se utilizam do modelo criado por ele.
Em seu novo trabalho, escrito em Stanford, Kosinski
demonstra que uma inteligência artificial é capaz de determinar se uma pessoa é
gay apenas com a análise de uma foto na internet. A chance de acerto é de 81%
para homens e 74% para mulheres. Se forem analisadas cinco fotos, a chance de
acerto pula para 91% para homens e 83% para mulheres. A taxa de acerto de seres
humanos não ultrapassa 61% para homens e 54% para mulheres.
Kosinski utilizou-se para isso de uma das vertentes
da inteligência artificial chamada de "Deep Neural Networks". Para
isso, aplicou a técnica sobre uma amostra com 35.326 imagens de homens e
mulheres publicadas em um site de relacionamentos dos Estados Unidos, no qual
as pessoas autodeclaravam sua orientação sexual. Vale notar que o estudo
considerou apenas fotos de pessoas brancas. Também não considerou imagens de
transexuais nem bissexualidade.
O impacto desses resultados está sendo avassalador,
especialmente em razão de sua dimensão ética. O próprio estudo alerta para a
possibilidade de governos autoritários usarem esse tipo de análise para expor
gays onde há perseguição. Ao mesmo tempo, uma das conclusões aponta no sentido
de que a orientação sexual é determinada anteriormente ao nascimento, não sendo
uma "opção" do indivíduo.
O estudo também afirma que a mesma metodologia pode
ser utilizada para prever o posicionamento político de uma pessoa, seu estado
psicológico (por exemplo, se sofre de depressão ou neurose) e até mesmo sua
personalidade, bastando para isso a análise de imagens da pessoa postadas na
internet.
No século 19, o higienista italiano Cesare Lombroso
decidiu estudar nas prisões as características físicas de criminosos, na
expectativa de que pudesse prever o comportamento de pessoas que apresentassem
os mesmos traços.
Decidiu que criminosos seriam mais altos que a
média, teriam orelhas de abano, maxilar largo e assim por diante. A obra de
Lombroso é hoje considerada inaceitável e revoltante.
Hoje, a inteligência artificial e a ciência dos
dados têm a capacidade de gerar tipos de análise com as quais Lombroso jamais
sonharia.
A pergunta que precisamos fazer é se e como
queremos que isso aconteça. Mais do que isso, quais as condições e controles
éticos para a experimentação com seres humanos? É desejável que a sociedade
como um todo se converta em um gigantesco laboratório em que somos todos
cobaias? Quanto antes enfrentarmos esses desafios, maiores serão as chances de
evitarmos injustiças ou mesmo tragédias.
Ronaldo
Lemos: advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard.
Fonte:
jornal FSP