Para
neurocientista, reconstrução depende de voltar a crer na ciência
Dráulio de Araújo, da UFRN, reflete sobre o papel da #ciêncianaseleições.
Esta coluna foi produzida especialmente para a campanha
#ciêncianaseleições, a pedido do Instituto Serrapilheira e da Maranta
Inteligência Política.
Neste mês de julho, colunistas cedem espaço para temas relacionados ao
processo científico, em textos escritos por convidados ou pelos próprios
colunistas que reflitam sobre esta questão: como a ciência pode participar da reconstrução
do Brasil.
Lancei essa pergunta para Dráulio de Araújo, do Instituto do Cérebro da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe/UFRN).
Ele é um dos
responsáveis por elevar a patamar internacional a ciência psicodélica brasileira em seu
renascimento, e foi sobre isso que conversamos.
O diálogo começou pelo poder da pesquisa científica e por suas
fragilidades. Ambas as reflexões são cruciais para fazer as pessoas voltarem a
acreditar na ciência, em sua opinião a tarefa mais urgente no Brasil.
O maior poder da ciência vem de sua capacidade de previsão. "A
ciência não diz só que a pedra vai cair, mas tenta e consegue predizer, a cada
instante, onde a pedra vai estar", exemplifica.
Foi com base nessa capacidade que a humanidade chegou ao espaço.
"Não mandamos cinco pessoas para a Lua e chegaram três. Mandamos três e os três chegaram
e voltaram."
O galho é que muita gente prefere dar mais atenção para as
fragilidades da ciência. Diante de sistemas muito complexos, o poder de
antecipação é limitado, como no caso da atmosfera e da meteorologia.
A previsão do tempo nem sempre acerta, e há quem se irrite com
isso. Mas nenhum piloto, agricultor ou promotor de eventos vai deixar de
recorrer a esse conhecimento, mesmo que impreciso.
Algo similar ocorre com biomedicina, a pesquisa voltada para a saúde
humana. Organismos e comportamentos são complexos por natureza, ainda mais
quando entram em interação com outros seres da complexidade de vírus e
bactérias.
Ninguém questiona se a pedra vai cair ao ser largada no ar, mas muitos
se veem no direito de duvidar das vacinas.
Nem sempre elas funcionam, verdade,
ou não para todo mundo. Em casos raríssimos, podem causar efeitos adversos,
como reações alérgicas.
É o melhor que há, entretanto. Mesmo diante do desafio posto por um
patógeno ameaçador como o novo coronavírus (Sars-CoV-2), pesquisadores
lograram criar e testar em tempo recorde imunizantes razoavelmente eficazes,
que nos deram de volta o convívio social e o retorno a algum tipo de
normalidade.
Assim como o piloto não abre mão das cartas meteorológicas, seria
irresponsável governantes e autoridades de saúde pública negligenciarem vacinas
como essas.
Explorar seus pontos fracos com fins políticos, como fizeram
o presidente Jair Bolsonaro e vários
ministros e seguidores, é um ato de lesa-humanidade.
Eis uma doença muito brasileira que a neurociência —inclusive a
nacional— pode ajudar a tratar: a epidemia de desumanidade que assola o país.
Aí entram as substâncias psicodélicas, que a pesquisa vem ressuscitando como
tratamentos (ainda experimentais) para transtornos psíquicos graves como a depressão.
Substâncias poderosas como MDMA, DMT e LSD ficaram proscritas por
décadas.
Cientistas como Araújo estão conseguindo resgatá-las e dar esperança
de tratamento para um terço dos doentes que não se beneficiam com
antidepressivos disponíveis.
Um exemplo da excelência alcançada no Brasil por essa linha de pesquisa
saiu em 19 de junho em versão eletrônica no periódico Experimental Neurology.
Araújo figura entre os vários
autores de universidades públicas brasileiras (UFRN, UFRJ, Unicamp), ao lado de
outros da Espanha e do Reino Unido.
O trabalho reúne dados de experimentos com roedores, seres humanos,
organoides cerebrais e modelagem de redes neurais para indicar que o LSD induz
neuroplasticidade (novas conexões entre neurônios) e que ela pode ser a causa
de melhoras na cognição.
Outro efeito conhecido de psicodélicos é o aumento da empatia entre
humanos e de sua conexão com a natureza, como testemunham legiões de hippies do
passado e adeptos da ayahuasca no presente.
"Não é a natureza e o ser humano, mas sim: O ser humano é
natureza."
DRÁULIO ARAUJO – Instituto do Cérebro da
Universidade Federal do Rio grande do Norte (Ice/UFRN)