As melhores decisões são aquelas
que mantêm mais portas abertas
Meus cursos de neuroanatomia começam sempre com uma discussão
aberta com os alunos até chegarmos a uma definição, empregada no restante do
curso, sobre o que é comportamento: qualquer ação que pode
ser observada e descrita.
Bactérias,
fungos, amebas e quaisquer outras células que se movem em direção ao alimento,
ou umas às outras, ou se dividem e seguem seus rumos respectivos, exibem
comportamento. Se não é preciso ter cérebro para ter comportamento, então para
que serve trazer um na cabeça?
Se decisões inteligentes são aquelas que mantêm o maior
número de portas abertas, então a essência da inteligência é a flexibilidade
Ando
pensando um bocado a respeito, por conta da preparação de artigos, livros,
aulas e palestras para leigos interessados em neurociência, e cheguei a uma
conclusão que finalmente me deixa satisfeita: um cérebro dota o comportamento
de flexibilidade. Eu costumava acrescentar “complexidade” à lista, mas até ela cabe na
conta da flexibilidade. Eu explico.
Cérebros
são feitos de neurônios, células que ativam umas às outras espontaneamente mas
também ao sabor dos acontecimentos, e portanto sua atividade representa
eventos. Mas não é só isso: toda atividade de um neurônio modifica sua
atividade futura, inclusive como ele reagirá a novos eventos. Ou seja:
neurônios guardam uma memória do seu passado. Com isso, ações no presente são
sempre temperadas pelas ocorrências do passado de cada um, e dois seres dotados
de cérebro, ao contrário de duas amebas, podem reagir de modos diferentes ao mesmo
evento.
Mas
essas memórias também podem ser evocadas (como lembranças) ou mesmo antecipadas
(como previsões) —e assim o passado cria um futuro, que passa a servir de
norte. Pronto: tem-se a base do comportamento flexível, que leva em conta não
só o presente mas também o aprendizado passado e as possibilidades vislumbradas
para um futuro que depende da ação tomada.
Flexibilidade
para valer, contudo, é o que se ganha com um córtex cerebral, com sua
circuitaria maleável que nos permite novas associações e assim gera
possibilidades sobre possibilidades. Xadrez mental só joga quem tem um cérebro,
e de preferência um córtex cerebral cheio de neurônios.
Se
decisões inteligentes são aquelas que mantêm o maior número de portas abertas
—minha definição favorita, do físico Alex Wissner-Gross—, então a essência da
inteligência é a flexibilidade: de decisões (conforme o passado), de opiniões
(conforme novos fatos), de desejos (conforme os futuros vislumbrados). Ser
inteligente é ser flexível, e se manter flexível.
Suzana Herculano-Houzel -bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt
(EUA).
Fonte: coluna jornal FSP