Como falar com as máquinas?


Criada por alunos da FEI, de SP, o robô Judite é inspirada em Rose, da série 'Os Jetsons'. Ajuda o usuário em tarefas como pegar objetos, servir café ou abrir a geladeira

Tem muita gente preocupada com um novo fenômeno. Crianças estão interagindo cada vez mais com assistentes de voz, dispositivos criados para executar instruções e até mesmo conversar com o usuário
em linguagem natural.

No entanto, a comunicação com esses dispositivos é sempre na forma de comandos: "Apague as luzes", "toque uma música" e assim por diante. Palavras fundamentais para a comunicação humana, como "por favor" e "obrigado", ficam de fora da comunicação.

Com isso, muitos pais estão notando uma deseducação dos próprios filhos. Acostumados a conversar com as máquinas como senhores absolutos, acabam trazendo o mesmo hábito para as interações humanas. Por exemplo, gritando ou dando ordens para os pais, amigos e professores, como se eles também fossem assistentes virtuais robotizados.

Esse problema tem despertado a atenção de especialistas em educação e também das próprias empresas de tecnologia. Faz sentido. Há muito a ser pensado com relação aos assistentes virtuais. Uma pesquisa recente mostrou que, quando o assistente virtual opera por texto (chatbot), 35% assumem uma persona masculina, 30%, uma persona feminina, e 35% são neutros.

Já no caso de assistentes virtuais por voz, o cenário muda completamente: 67% utilizam vozes femininas por padrão, 0% usam voz masculina e 33% são neutros. Isso levanta o importante debate sobre a questão do gênero no âmbito da tecnologia. Por que a voz feminina é por padrão destinatária dos comandos dados aos assistentes de voz?

Uma forma de lidar com a questão é justamente enfrentar o antropomorfismo. Afinal, por que é necessário fazer com que a máquina pareça humana? Não seria essa simulação enganosa? Não seria melhor a máquina assumir-se como tal, sem querer ser um simulacro cada vez mais indistinto de uma pessoa?

Um dos efeitos preocupantes do antropomorfismo é justamente a quantidade de robôs que buscam se passar por cidadãos comuns na internet, expressando opiniões políticas, por exemplo.

Ou, ainda, quais os desafios de um produto como o Aristotle, que seria o primeiro assistente virtual de voz para bebês, antes de ser cancelado pela Mattel por preocupações sobre privacidade? Ele reconhece automaticamente quando o bebê acorda ou chora e embala o nenê com músicas. Na medida em que o bebê cresce, reconhece as perguntas da criança, conta histórias, ensina letras e números e faz jogos de adivinhação.

Por fim, o aparelho possui uma função opcional, que, se acionada, exige que a criança diga "por favor" todas as vezes em que der um comando para o aparelho.

Da mesma forma como muitos pais hoje distraem seus filhos com celulares e tablets, já está entre nós a primeira geração que vai ser criada —ao menos em parte— por inteligências artificiais que se expressam por voz.

A famosa frase de Marshall McLuhan de que o meio é a mensagem é mais atual do que nunca. As ferramentas que criamos para atuar sobre o mundo acabam sempre transformando a nós mesmos.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org).

Fonte: coluna FSP

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