O economista Paulo Furquim, do Insper
O economista Paulo Furquim, do
Insper, coordenou uma ampla pesquisa encomendada pelo IESS (Instituto de
Estudos da Saúde Suplementar) que traça um diagnóstico do setor de planos de saúde.
O estudo traz sugestões para contratação e remuneração, modelos de pagamento,
protocolos médicos e para atenuar os efeitos da chamada judicialização. Para o
economista, o atual modelo é insustentável e favorece o desperdício e a
sobrecontratação. Maior transparência, criação de indicadores de qualidade e
mudança do modelo de remuneração são algumas das principais propostas do
especialista.
Com a queda no número de usuários de
planos de saúde, o governo Temer tem falado em criar planos populares. Até que
ponto o sistema atual pode dar conta das necessidades do país?
Paulo Furquim - O sistema atual não
é sustentável. Se tomarmos nos últimos 15 ou 16 anos, houve um crescimento
muito grande, mas o modo com que ele lida com os custos da saúde, com a incorporação
de tecnologias, faz com que fique insustentável economicamente com o passar do
tempo. É importante rever esse sistema, isso é quase uma unanimidade. As várias
etapas da cadeia produtiva têm queixas muito grandes. Essa parte de planos
populares é uma reação clara a duas coisas. Uma, obviamente, é a crise. A outra
é que fica de fato um espaço entre o SUS e os planos de saúde.
O que a gente precisa ver é como será
a regulação desses planos populares. Se for exatamente a mesma, o que a gente
verá é, na verdade, uma deterioração do serviço. Os planos populares não serão
mais eficientes necessariamente, mas com um atendimento mais precário. Isto
obviamente não é uma solução.
Entres as medidas para aumentar a
eficiência do sistema, transparência é a mais importante?
Acho que o mais importante, em um
modo de se expressar, é “empoderar” o consumidor, aquele que decide, dar
informação de qualidade para ele. A transparência é importante no sentido de
ter informação, mas tem que ser uma informação que permita a comparabilidade
não só do plano de saúde, mas sobretudo do hospital, de médicos e de
laboratórios. Hoje, na ocorrência de uma doença, o hospital coloca todos os
custos que cabem naquela doença e o plano de saúde cobre. Vai ficando um
sistema de sobreuso de exames, de consultas, de cirurgias que não deveriam ser
feitas. É [preciso] mudar as regras de remuneração, este problema que eles chamam
de ter a “conta aberta”. O modelo [de remuneração] que tem sido mais bem
sucedido no mundo é o DRG [Diagnosis Related Groups].
Basicamente ele consegue, com muita
informação acumulada, definir para uma determinada doença um diagnóstico
referente a uma pessoa que tem certas características e o procedimento que vai
ser feito em um determinado hospital.
Para isso ser efetivo, não seria
necessário um sistema muito eficiente de informação e confiável por todas as
partes? Isto é factível hoje?
Certamente é possível, já há algumas
experiências. Também não precisa ser para a totalidade dos hospitais. Quem deve
implementar? Aí há um papel importante da ANS [agência reguladora] de coordenar
os esforços de uniformização. O DRG que funciona melhor, como no Reino Unido e
Suécia, tem os elementos que incorporam qualidade. Se você simplesmente definir
um preço fixo para o hospital, ele pode ser incentivado a diminuir ao máximo os
custos, eventualmente deteriorando a qualidade. É importante que o DRG incorpore
elementos de qualidade. Na Suécia e no Reino Unido, se há reincidência,
necessidade de reinternação, aquele paciente é reinternado gratuitamente.
A concentração das operadoras está
acontecendo de forma ‘saudável’ ou predatória, em prejuízo dos segurados?
A concentração não tem uma face única
e clara. É, sim, em benefício dos segurados, porque alguns dos planos que
deixaram de existir tinham um problema de solvência, e se suas carteiras são
assumidas por outros planos eles [beneficiários] continuam com o provimento de
serviço. Como o sistema está ficando mais caro, parte da consolidação é a saída
desses que são mais ineficientes. No nosso estudo, a única categoria que tem
tido rentabilidade positiva é a dos planos grandes. No caso dos planos pequenos
e médios, eles têm tido uma rentabilidade negativa, o que é preocupante.
A abertura dos planos para grupos
estrangeiros tem dado os resultados esperados?
Ainda considero pequeno. É
interessante notar que isso ocorreu na cadeia produtiva inteira: em
laboratórios, em hospitais e em planos de saúde. Em planos de saúde, esse
processo ainda é relativamente pequeno. E a maior parte foi de aporte de
capital, de fundos de investimento, mas mantendo uma gestão local, o que é
positivo. Por que esse capital não modificou tanto a oferta de serviço propriamente
dito e modificou mais a composição do capital? Porque um grupo de saúde
norte-americano, por exemplo, tem muito a aprender no mercado brasileiro, que é
completamente diferente. Mas a tendência é que eles tragam estas metodologias
de gestão.
A ANS deveria ter uma atuação maior?
Nesse ponto talvez eu divirja de
várias pessoas que entrevistamos, principalmente de hospitais. Entendo que a
ANS tem feito um papel importante, ainda limitado por algo que não depende
dela. Uma coisa que a ANS poderia avançar é coordenar um processo de formação
de um banco de informações de indicadores de qualidade da cadeia produtiva
inteira, que seja de adesão voluntária.
Projetos como “segunda opinião”
[desenvolvido pelo Hospital Albert Einstein, em que há consulta a outras equipes
médicas sobre necessidade de cirurgias recomendadas] podem ser ampliados para o
setor como um todo?
Você citou um dos programas que acho
mais animador. Foi um projeto piloto, mas revelou algo que todo mundo já
falava. Que havia muito desperdício da pior natureza: a prescrição de cirurgias
que não são necessárias em níveis muito elevados. A ideia é restringir a
discricionalidade que o médico individualmente tem. É algo que respeita a
deferência que se deve ter ao médico, mas não exclusivamente ao médico que está
encarregado do caso. Tem uma outra medida que vai nessa direção, que são as
diretrizes médicas. Uma entidade, um grupo de médicos, define para um
determinado diagnóstico o que deve ser feito. Esses projetos têm o papel de
revelar de modo inequívoco algo que sempre se suspeita, que está havendo
sobreutilização da saúde, muitas vezes em prejuízo do paciente, e de mostrar
uma solução concreta para o problema replicável em escalas ampliadas.
Paulo Furquim -
professor Senior Fellow e coordenador do Centro de Estudos em Negócios do
Insper.
Fonte: jornal Folha de S. Paulo