Previdência para quê?


A reforma na Previdência não tem ocupado as manchetes dos jornais, mas é vista como uma necessidade por quem acompanha a evolução dos dispêndios com aposentadorias. Mas como deve ser essa reforma da Previdência?

Para responder a essa pergunta, devemos começar nos perguntando: por que queremos um sistema de Previdência gerido pelo Estado?

A resposta pode parecer óbvia: para cuidar dos mais velhos, que não podem mais trabalhar.

Contudo, essa resposta está, pelo menos, incompleta. Em vez de contribuir para a Previdência, as pessoas poderiam poupar para suas aposentadorias.

Por que razões faria sentido criar um sistema de Previdência do Estado?

Há dois conjuntos de motivos que podem justificar essa intervenção estatal:

1. As pessoas podem não poupar o suficiente, seja porque não conseguem se disciplinar e organizar, seja porque contam com a ajuda de governos futuros (à custa de gerações futuras).

2. A Previdência distribui renda.

O primeiro ponto poderia ser resolvido com um sistema de poupança forçada. Parte do seu salário ficaria numa conta sua, aplicada em um título público (ou não), rendendo juros. Quando você resolvesse se aposentar, o dinheiro acumulado financiaria sua aposentadoria.

O segundo ponto poderia ser tratado no âmbito de outros programas de transferência de renda, de forma que as transferências fossem de fato dos mais ricos aos mais pobres. Isso não precisaria estar misturado com as aposentadorias.

Parece simples, não?

Em vez disso, temos hoje um complicado sistema de transferência de recursos entre gerações: nós contribuímos hoje e receberemos no futuro. Quanto e quando receberemos? Isso depende de regras que, claro está, devem mudar no futuro.

Assim, não percebemos uma ligação tão forte entre nossa contribuição para a Previdência e o que receberemos na aposentadoria. Portanto, a contribuição para a Previdência fica parecida com um imposto.

Isso significa que a contribuição para a Previdência gera menos incentivos para o trabalho formal. Não porque assim queremos, mas porque impostos têm esse efeito de reduzir os incentivos para o que gera a base da arrecadação.

Além disso, o sistema transfere recursos de maneira pouco transparente e muito pouco eficiente. Há alguma transferência para os mais pobres, de fato, mas há muitas outras transferências que, sob o ponto de vista da sociedade, não fazem sentido algum.

Por fim, transforma-se uma questão econômica não tão complexa (a poupança para a aposentadoria) em uma questão política complicada. Como alguns sempre perdem com as reformas, fica muito difícil mudar para um regime melhor.

Além de cuidar das aposentadorias, o sistema de seguridade social também provê seguros para quem não pode mais trabalhar. A discussão sobre seguros não cabe neste espaço, mas a mesma lógica se aplica.

A reforma da Previdência não deveria pensar apenas em equilibrar as contas. Deveria também buscar uma mudança para um sistema melhor.

A mudança não é simples, mas é possível. No novo sistema, cada um teria sua própria conta de poupança para a aposentadoria. A distribuição de recursos, importante função do governo, ficaria a cargo de outros programas.

Bernardo Guimarães – engenheiro com doutorado em Economia, professor de economia da EESP-FGV, é autor do recém-lançado “A Riqueza da Nação no Século 21”.

Fonte: coluna no jornal FSP

 

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