Como dominar os monstros
interiores
A filosofia ensina
a ter a coragem de 'dizer não' para as 'almas sinistras'.
Aos 16 anos comecei a ler Simone de Beauvoir,
Schopenhauer, Nietzsche, Spinoza, Sartre, Marco Aurélio, Sêneca, Epicteto e
outros filósofos que me ajudaram nos momentos mais difíceis da minha vida.
Nunca mais parei: é na filosofia que encontro um pouco de coragem, força e
determinação para descobrir a melhor atitude que posso ter para enfrentar os
obstáculos, adversidades, crises, tragédias e desafios da vida.
A filosofia é um exercício de introspecção e uma
jornada de autoconhecimento e crescimento pessoal; um desafio para mergulhar
profundamente na minha própria consciência, enfrentando meus monstros
interiores.
No silêncio e quietude da reflexão existencial,
reconheço minhas fraquezas, impotências e limitações e busco aceitar o que não
posso mudar, coragem para mudar o que posso e sabedoria para distinguir entre o
que posso e o que não posso mudar.
Aprendi que há apenas um caminho para a liberdade e
a felicidade: parar de me preocupar com tudo aquilo que está além do meu
controle, decisão e capacidade e ter a consciência de que não são as pessoas e
situações que me afetam e desequilibram, mas as minhas percepções, opiniões,
crenças e interpretações equivocadas sobre elas.
No início da pandemia, "Meditações", de
Marco Aurélio, junto com "Em Busca de Sentido",
de Viktor Frankl, me ajudaram a encontrar significado e propósito naquele
momento desesperador: cuidar dos meus amigos nonagenários.
Foi quando passei a acessar diariamente vídeos de
canais do YouTube que ensinam a praticar o estoicismo na nossa própria vida.
Recentemente, escutei um vídeo que me fez refletir sobre este momento de tanta
tristeza, angústia e impotência: "Dominando os monstros internos".
Uma prova concreta de que estou aprendendo a
dominar meus monstros internos é o fato de ter parado de tomar Lexotan.
Antes
da pandemia, sempre que precisava viajar, dar aulas, palestras, entrevistas,
participar de programas de televisão, eu tomava o ansiolítico antes de dormir.
Quando meu pai teve câncer no pâncreas, durante os cem dias em que cuidei dele
até a sua morte, tomava três Lexotans por dia.
Recebo inúmeros pedidos para participar de
programas de rádio e televisão, entrevistas, lives, podcasts, palestras,
debates, aulas, conferências, bancas, consultorias etc.
Seria humanamente
impossível aceitar todas as demandas diárias. A filosofia está me ensinando a
"dizer não".
Um dos meus maiores arrependimentos é o de não ter
tido a coragem de "dizer não" para uma pessoa de confiança que me
convenceu a assinar, sem ler, um documento.
Se eu tivesse lido o documento,
jamais teria assinado algo que me prejudicou bastante. Todos os dias eu me
xingo de burra, estúpida e idiota, pois sei que um simples "não"
teria evitado muitos problemas, aborrecimentos e chateações que tenho até hoje.
Quando fico doente, estressada e exausta em função
de vampiros emocionais e pessoas tóxicas que sugam a minha energia, paz de
espírito e saúde física e psicológica, lembro-me de que só tenho controle sobre
meus pensamentos e atitudes e que não tenho o poder de controlar os
comportamentos e escolhas dos outros.
Marco Aurélio, em suas "Meditações",
ensina a melhor maneira de se vingar das "almas sinistras".
"Dizer para si mesmo, ao amanhecer: ‘Sei que
vou encontrar um indiscreto, um ingrato, um grosseiro, um velhaco, um invejoso,
um intolerante.
Mas esses homens são assim devido à sua ignorância do bem e do
mal... Concentra-te na arte que aprendeste e ama-a. Não seja tirano nem escravo
de ninguém...
Alguém procedeu mal comigo? Isso é com ele. A deliberação é dele,
a ação é dele... É impossível que os maus não pratiquem o que está em sua
índole... Eis a melhor maneira de se vingar: não se lhes assemelhar."
A coragem de "dizer não" para as
"almas sinistras" se tornou um exercício diário. Tenho buscado
aproveitar cada dia como se fosse o último, saboreando o presente, sem ficar
presa aos traumas do ontem ou às preocupações com o amanhã.
Por isso, todos os dias, assim que acordo, respondo
às seguintes perguntas no meu diário: "O que eu faria se não tivesse tanto
medo? Como vou gozar o dia de hoje? O que posso fazer de bonito, bom e
relevante? Como posso transformar o meu medo em coragem, a minha tristeza em
beleza e a minha dor em amor?".
MIRIAM
GOLDENBERG
- antropóloga e professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela
Velhice".