É óbvio que semaglutida dá enjoo, oras
- Ozempic, Wegovy e similares funcionam ao simular o peptídeo GLP-1
que dá saciedade
- O problema é que GLP-1 também é o gatilho do enjoo do comi demais
Meu
marido, diabético depois de décadas comendo porcaria no circuito do rock'n'roll
e que tinha inacreditáveis 300 mg/dl de glicose no sangue quando eu o conheci,
era usuário de Ozempic.
Eu o vi temer o dia da injeção
semanal da droga, que quase sempre o deixava de cama por dois dias num estado
de enjoo e mal-estar constante.
A bula avisa que enjoo é um "efeito
colateral", mas acabei de descobrir, descendo o buraco de coelho da vez,
que o nome é um baita eufemismo.
A náusea não é um efeito colateral da droga
sujeito aos azares da sorte: é um efeito garantido.
Ozempic e semelhantes como a marca Wegovy
são nomes comerciais da semaglutida, um peptídeo semelhante ao GLP-1 (do inglês
para "peptídeo #1 semelhante ao glucagon"), que é o hormônio que o
intestino produz em resposta à presença de comida em seu interior.
A
semelhança é tanta que a semaglutida gruda no mesmo receptor através do qual o
GLP-1 faz o que faz no corpo, que é sinalizar ao hipotálamo que o intestino já
está cheio de comida.
Ao mesmo tempo, a semaglutida impede o efeito do glucagon
de promover a liberação de glicose no sangue através da quebra de reservas de
glicogênio, e ainda estimula a produção de insulina.
O resultado, de um jeito
ou de outro, é menos glicose no sangue.
A
diferença é que a semaglutida tem um penduricalho a mais no peptídeo que torna
a molécula mais duradoura no sangue.
O GLP-1 produzido pelo corpo tem ação
curta: uma vez no sangue, ele é rapidamente destruído por enzimas e removido
pelos rins, e com tanta rapidez que a meia-vida da molécula no sangue é de
apenas dois minutos –biologês para dizer que leva apenas dois minutos para a
concentração de GLP-1 no sangue cair pela metade.
Com meia-vida tão curta, o efeito do GLP-1 endógeno,
produzido pelo intestino, é apenas tão duradouro quanto a presença de alimento
no próprio intestino, e limitado ao hipotálamo, que recebe pelo sistema nervoso
sinais da presença de GLP-1 lidos ali mesmo no intestino.
Mas a estória muda
quando se come tanto que há comida enchendo uma extensão enorme do intestino,
que portanto produz muito mais GLP-1, e por muito mais tempo.
Tanto GLP-1 se
acumula no sangue e acaba estimulando uma outra parte do cérebro, ela mesma
cheia de receptores para GLP-1, que tem uma função tão particular que ela
imediatamente ganhou apelido quando foi descoberta: é o "centro do
vômito".
O
"centro do vômito" é a área postrema, de nome oficial bem menos explícito
que descreve apenas a sua localização na superfície "mais posterior"
do quarto ventrículo do cérebro, que contém o líquor filtrado do sangue.
Ali,
portanto, os neurônios da área postrema são expostos ao que circula no sangue
–como GLP-1 acumulado depois de uma refeição exagerada.
Uma vez ativados por
GLP-1, os neurônios da área postrema acionam seus vizinhos no núcleo do trato
solitário, no núcleo efetor do nervo vago, e no núcleo parabraquial, e o
resultado da ativação desses vizinhos é a dobradinha enjoo-vômito, o primeiro a
sensação que prenuncia a inevitabilidade crescente do segundo.
Como
a semaglutida funciona porque dura no sangue, enjoo causado pela área postrema
é 100% esperado, uma questão apenas de dosagem e sensibilidade individual.
Meu
marido largou o Ozempic e foi ver um médico brasileiro, que receitou remédio
que os "zistêitis" não vendem. Resultado: glicose abaixo de cem e
zero náusea. Viva a ciência!
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e
neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA)