Há futuras mães que contam os
dedos dos seus fetos, ou que festejam ver seu coração batendo na
ultrassonografia. Eu festejei ver o cérebro dos meus bem formado, com
circulação saudável e tamanho adequado para a idade gestacional. Infelizmente,
esta é uma alegria negada a algumas das futuras mães infectadas por certos
vírus durante a gestação –e o vírus da vez, o zika, é apenas mais um.
A
microcefalia é a condição em que o cérebro não atinge o tamanho
estatisticamente normal ao fim da gestação. As causas da microcefalia são
variadas, e uma delas são viroses, como infecção da gestante pelo
citomegalovírus, causador da mononucleose. Ainda assim, somente cerca de 10%
dos bebês que nascem já infectados pelo citomegalovírus têm alterações como
microcefalia.
Cada
vírus é diferente, no entanto, e entender como o zika em particular impede que
o cérebro atinja o tamanho normal ao nascimento exigirá alguns anos de pesquisa
aplicada, voltada especificamente para este vírus e empregando necessariamente
animais de laboratório –supondo que o zika também afete ratos ou camundongos
como afeta a nós, humanos.
Mas,
graças a décadas de pesquisa básica, com o intuito simplesmente de entender o
processo de desenvolvimento normal do sistema nervoso, já é possível fazer
algumas inferências educadas a respeito do zika.
Formar
um cérebro de um determinado tamanho requer gerar um número adequado de células
progenitoras (que tem alto poder de proliferação e podem dar origem a qualquer
tipo de célula do sistema nervoso); gerar um número apropriado de neurônios a
partir destas; fazer esses neurônios brotarem os ramos que formam conexões com
outros neurônios, aumentando assim de tamanho exatamente como uma plantinha se
transforma em uma árvore frondosa; e ainda gerar todas as células gliais que
permitem aos neurônios funcionar corretamente.
Em
princípio, qualquer um desses processos, se perturbado, pode dar origem a um
cérebro pequeno demais, e portanto a microcefalia. O citomegalovírus age logo
no início da gestação, comprometendo a proliferação celular e assim o tamanho
do cérebro. Como o zika parece agir mais tarde, é possível que ele afete menos
o número de neurônios formados e mais o tamanho dessas células –ou, com sorte,
apenas atrase a geração de células gliais, caso em que o cérebro talvez consiga
recuperar o atraso mais tarde.
Somente
o tempo e a ciência dirão.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com