Estamos vivendo tempos de irracionalidade.
Todo carnaval tem seu fim, como cantavam os Los Hermanos. No
ramo das criptomoedas esse fim ainda não chegou.
Na semana passada mais um
fenômeno aconteceu.
A criptomoeda chamada Shiba Inu teve uma valorização
impressionante, acumulando mais de 700% em 30 dias.
A Shiba Inu faz parte do segmento das "memecoins",
fusão entre as moedas digitais e os memes da internet.
Tanto é que seu nome e
símbolo fazem referência a uma simpática raça de cachorro japonês muito popular
na internet.
A moeda foi criada em agosto de 2020 por um anônimo que se autodenomina
Ryoshi.
O objetivo do criador foi competir com outra memecoin chamada Dogecoin, que também usa o mesmo
cachorro de mascote.
Uma das características das memecoins é que elas não têm praticamente
nenhuma aplicação prática além da especulação financeira, capaz de enriquecer
da noite para o dia quem acreditou nelas no momento certo.
E ponha enriquecer
nisso.
Por exemplo, um investidor comprou US$ 8.000 de Shiba Inu em agosto de
2020. No dia 27 de outubro de 2021 esse valor correspondia a US$ 5,7 bilhões. E
não é só.
O valor total de mercado de criptomoeda ultrapassou na semana passada
o valor em empresas como General Mills, 7-Eleven, Delta Airlines, Kellogs e o valor
da própria bolsa Nasdaq.
O influxo de dinheiro para a Shiba Inu foi tão considerável que no dia
da sua maior ascensão a maioria das outras criptomoedas perderam valor.
Mais do
que isso, a moeda passou a ocupar o nono posto das maiores criptomoedas do planeta.
O caso despertou um frenesi com relação a outras memecoins como a Floki
Inu (que também usa um cachorro da mesma raça como mascote), criada por membros
da "comunidade" das memecoins.
Há algumas observações que podem ser feitas sobre tudo isso.
A primeira
é que vale nos lembrarmos todos os dias da frase do escritor Doc Searls que diz
que "mercados são conversas".
Mais do que nunca existe uma
aproximação entre o fluxo imprevisível da informação na internet e a orientação
dos mercados.
O caso Gamestop foi uma vitrine disso. O caso das memecoins está
sendo outra.
A frase "follow the money" em breve vai precisar ser
substituída por "follow the meme", que é o que está acontecendo hoje.
Outra questão é regulatória. Haverá algum tipo de intervenção
nesses movimentos do mercado?
Essa regulação será eficaz?
O caso mais conhecido de regulação drástica vem, de novo, da
China.
O país simplesmente proibiu qualquer tipo de uso ou atividade
relacionada a criptomoedas, com exceção da sua própria, o e-Renminbi.
A alegação do país é que os mercados financeiros precisam estar
conectados à economia real.
O temor é que com taxas de retorno sobre
investimento declinantes, investidores começassem a migrar seus recursos para
as criptomoedas, que de fato têm superado os retornos de outros ativos
recentemente.
O fato é que estamos vivendo tempos de irracionalidade. Será
tudo mais uma crise das tulipas?
Ou o prenúncio de que uma mudança mais
profunda, mais caótica, está em curso?
RONALDO LEMOS - Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.