Igualar idade de aposentadoria de homens e mulheres pouparia R$
1,5 tri na Previdência
Estudo propõe que, após mudança, homens e mulheres se aposentem aos 67
anos
A equiparação das idades mínimas
para que homens e mulheres possam se aposentar pelo INSS, de forma gradual e a partir de 2026, evitaria
R$ 1,5 trilhão em despesas da Previdência num período acumulado de 30 anos,
afirma artigo publicado pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
O texto propõe
elevar a idade mínima de aposentadoria dos homens para 67 anos, ante os 65
atuais, e uma regra de transição para elevar a idade mínima das trabalhadoras
que já contribuem para 66 anos, gradualmente.
Quem entrasse no mercado de
trabalho após as mudanças, seja homem ou mulher, perseguiria os mesmos 67 anos.
Equiparar essas
regras é um dos pontos que deveriam ser adotados em novas reformas da
Previdência, sustenta o economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do
Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) e especialista em contas públicas,
um dos autores do artigo, ao lado dos pesquisadores Otávio Sidone e Guilherme
Tinoco.
Despesa crescendo
Na reforma de
2019, a idade mínima das mulheres foi elevada de 60 para 62 anos.
Conforme o
artigo, regras mais favoráveis às mulheres impõem pressão sobre os gastos da
Previdência porque, além de receberem o benefício antes do que os
trabalhadores, as trabalhadoras vivem mais — ou seja, aposentadas tendem a
receber por mais tempo.
Essa despesa será
crescente nos próximos anos, já que a concessão de novas aposentadorias para
trabalhadoras tende a crescer mais do que para os homens, refletindo uma maior
participação feminina no mercado de trabalho, da década de 1980 para cá.
Em 2022, as
despesas do INSS foram equivalentes a 7,9% do Produto Interno Bruto (PIB), já
com a reforma de 2019. Sem novos ajustes, o gasto total poderá passar a 10% do
PIB em 2045, incluindo 5,9% apenas com as mulheres.
— Esses problemas
estão potencializados por uma coisa que veio depois, que é a nova regra do
salário mínimo, que torna ainda mais imperiosa a necessidade de uma futura
reforma, que complemente a de 2019 — afirma Giambiagi.
Ele vem publicando na FGV uma
série de trabalhos sobre quatro pontos que, em sua avaliação, deveriam ser alvo
de novas reformas. O primeiro, em janeiro, tratou da aposentadoria rural; os
dois últimos serão sobre a idade mínima para se aposentar e sobre o BPC, para a
baixa renda.
O artigo reedita
discussões sobre a Reforma da Previdência, entre 2016 e 2019. Defensores de
regras diferentes para homens e mulheres argumentam que, dadas as condições
desiguais — as mulheres contribuem menos anos com o INSS, principalmente porque
gastam mais horas com afazeres domésticos e cuidados de crianças e idosos —,
permitir que as trabalhadoras se aposentem mais cedo seria compensação justa.
Licença-maternidade
Para
defensores da equiparação, o modelo atual teria relação ruim entre custo e
benefício, porque a compensação demora a se realizar e tem pouco efeito nas
desigualdades. Também seria pouco focado em quem mais precisa. As trabalhadoras
que ganham mais conseguem se aposentar mais cedo.
Já as que ganham menos, em
empregos precários, contribuem de forma intermitente com o INSS, o que pode ser
insuficiente para se aposentar. E, entre famílias de renda mais alta, as
primeiras são menos afetadas pela dupla jornada quando contratam as segundas
como domésticas.
—
A medida compensatória não atua sobre a causa do problema (da desigualdade) —
afirma Sidone, que trabalhou nas equipes econômicas dos governos Temer e
Bolsonaro, na elaboração da Reforma da Previdência. — Há vários instrumentos
para combater, de fato, as verdadeiras causas.
Entre
as políticas para mitigar as desigualdades de gênero no mercado de trabalho,
especialistas frequentemente citam a ampliação da licença-maternidade,
inclusive com aumento do período de afastamento dos homens, e mais vagas em
creches públicas.
No
artigo, os pesquisadores propõem uma ampliação na licença-maternidade, política
a cargo do INSS — o nome oficial é salário-maternidade, já que o salário das
trabalhadoras afastadas é pago pelo governo.
Nas contas do artigo, a ampliação
aumentaria as despesas com a licença-maternidade.
Em 30 anos, no mesmo período
em que a equiparação de regras economizaria R$ 1,5 trilhão, o gasto a mais
acumularia R$ 520,9 bilhões.
A
economista Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica
e Aplicada (Ipea) e estudiosa de desigualdades de gênero e envelhecimento, diz
que alterações na licença-maternidade seriam importantes para enfrentar
desigualdades, mas precisariam vir acompanhadas de mudança cultural, com os
homens gastando mais tempo com a casa e a família.
Por
outro lado, seria uma política mais voltada para trabalhadoras formais. Para as
trabalhadoras em empregos informais e que, muitas vezes, nem contribuem para o
INSS, seria importante melhorar a rede de creches.
E seria preciso oferecer
mais horas de cuidados com as crianças pequenas nas unidades públicas.
‘Discussão
precoce’
Para
Ana Amélia, é cedo para propor equiparação nas regras de aposentadoria entre
homens e mulheres.
É possível buscar o equilíbrio fiscal com outras medidas,
como mudança na Previdência dos militares e proibição de supersalários no
funcionalismo.
—
É uma discussão precoce — diz Ana Amélia, acrescentando que seria melhor, antes
de mexer na Previdência, tornar o mercado de trabalho mais igualitário. — Feliz
será o dia em que vamos poder dizer, ok, já podemos igualar as regras da
Previdência.
A
economista Hildete Pereira de Melo, professora da UFF e estudiosa da
participação das mulheres no mercado de trabalho, pondera que, mesmo com regras
distintas, na média, o pagamento das beneficiárias do INSS equivale a 84% do
benefício médio recebido pelos homens, isso com dados de 2023, do IBGE.
Segundo
a professora, a vida profissional das mulheres é intermitente, por causa da
maternidade. Para cuidar das crianças, as mulheres deixam de trabalhar, quando
não são demitidas após ter filhos.
As regras da Previdência apenas mitigam a
desigualdade, que persistirá enquanto homens não dividirem tarefas em casa.
—
A maternidade é o ônus que a sociedade paga. É um ônus dos homens e das
mulheres — diz Hildete.
Fonte:
O Globo