Educação a distância ameaça qualidade de cursos
privados
Crescimento
de cursos mal avaliados põe em risco a formação dos estudantes.
Os resultados do Censo da Educação Superior de
2020, publicados pelo Ministério da Educação (MEC) no início deste ano, mostram
um cenário preocupante para a qualidade da formação oferecida em cursos de
graduação públicos e privados no país.
A primeira constatação é uma tendência contínua de crescimento da Educação a
Distância (EaD) nas instituições privadas: se em 2007 o volume de estudantes na
EaD era pouco mais de 7% do total, em 2020, saltou para 44%.
Tendência que se
intensificou ainda mais em relação aos ingressantes, que em 2017 eram 37% e
passaram a 60,5% em 2020, como já mostrou estudo do SoU_Ciência.
Esse forte crescimento de matrículas em cursos EaD nas universidades privadas
não se justifica apenas pela pandemia.
É um fenômeno mais antigo, fruto de
fusões e aquisições entre instituições privadas, que visam conquistar mais
espaço no mercado do ensino superior, reduzir a concorrência e aumentar lucros.
A modalidade EaD tem permitido elevar a relação entre o número de alunos por
professor, além de reduzir custos de infraestrutura física e humana.
Com isso,
viabiliza aos grandes grupos educacionais um forte incremento em suas margens
de lucro.
Os números do Censo são expressivos quando se toma como foco os 10 maiores
grupos privados de ensino superior: em 2020, 72,3% das matrículas de
ingressantes foram feitas em cursos a distância e houve uma expressiva redução
das matrículas em cursos presenciais: eram 1,71 milhão, em 2018, número que
caiu para 1,48 milhão, em 2020.
A enorme concentração de matrículas em apenas 10 grupos educacionais
impressiona ainda mais quando consideramos o desempenho obtido por seus alunos
no Exame Nacional do Desempenho do Estudante (Enade) do MEC/Inep: cerca de 60%
dos concluintes da EaD provém de cursos com nota Enade 1 ou 2 (em uma escala de
5) - uma verdadeira calamidade - enquanto em seus cursos presenciais este
percentual cai para 39%.
Vale lembrar que os cursos a distância exigem dos alunos muita autonomia
intelectual e hábito de estudo.
São inúmeras atividades de leitura e
interpretação de textos complexos de áreas específicas, que devem ser
subsidiadas por atividades virtuais e/ou tutorias bem-feitas e planejadas.
Do
contrário podem deixar lacunas na formação e provocar, inclusive, a evasão.
Os projetos pedagógicos dos cursos EaD precisam ser
bem estruturados e financiados se visarem uma qualificação profissional
consistente.
Além disso, são poucas as oportunidades dos estudantes de Ead dos
grandes grupos privados de experimentarem pesquisas de iniciação científica,
participação em projetos e programas de extensão, debates, palestras, eventos
culturais, políticos e etc.
É importante destacar que, quando levada a sério, a EaD pode oferecer cursos de
qualidade, como mostram resultados do Enade de alunos de diferentes
universidades do Brasil e a qualidade da oferta em inúmeras outras partes no
mundo.
Porém, considerando a avaliação dos cursos de graduação e a formação oferecida
aos jovens brasileiros, torna-se política, econômica e pedagogicamente
questionável a estratégia dos grandes grupos privados de migrarem suas novas
matrículas para cursos a distância que, de maneira geral, apresentam qualidade
questionável.
Jovens egressos de formações precárias certamente encontrarão mais dificuldades
pessoais de inserção profissional e terão maior probabilidade de desempenho
frágil no cotidiano laboral, o que poderá gerar prejuízos para a nação.
Destaca-se que entre as carreiras com a maior proporção de oferta em EAD estão
Gestão de Pessoas (75,6%), Pedagogia (72,9%), Serviço Social (72,2%), Logística
(72,1%), Educação Física (52,8%), Educação Física Licenciatura (52,4%) e
Contabilidade (51,0%).
Outro aspecto preocupante é o encolhimento em 5% das matrículas no ensino
presencial de instituições públicas, entre 2019 e 2020: foi de 1,90 milhão para
1,80 milhão.
Já em EaD, o número, ainda que irrisório, permaneceu constante -
cerca de 157 mil.
Em artigo publicado no primeiro trimestre deste
ano, identificou-se um forte crescimento de ingressantes em cursos EaD nas
instituições públicas: de 32,5 mil, em 2019, para 48,3 mil novos estudantes, em
2020, fazendo crer que as públicas abraçaram a EaD durante a pandemia. Ledo
engano.
As matrículas em cursos a distância nas públicas representam um percentual
mínimo na oferta global: eram 2,0% em 2019 e passaram a 2,4% em 2020.
O
crescimento é também pouco significativo quando comparado com o que ocorreu nas
privadas.
A maioria dos ingressantes de 2020 nas instituições públicas estão vinculados a
cursos de EaD financiados majoritariamente por alguns governos Estaduais.
No
mais, as matrículas de Instituições que dependem apenas do financiamento do
sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB – Capes/MEC), tem participação
marginal nos ingressos totais em Ead - cerca de 1,0% em 2020.
Uma última preocupação está na queda de 5% no total de matrículas presenciais
nas públicas, entre 2019 e 2020. Entre os ingressantes, a queda foi maior, de
9%.
Nessas instituições, a nota média do Enade é significativamente superior
àquela dos 10 maiores grupos privados, conforme estudo feito pelo SoU_Ciência.
Diante desse cenário, é no mínimo de se questionar se há beneficiários dessa
enorme expansão da EaD privada, de uma maneira geral mal avaliada pelo
principal instrumento de regulação oficial do MEC, com o concomitante corte orçamentário sofrido pelas
instituições públicas do ensino superior de alta qualidade.
O que os dados do
MEC e do Inep nos mostram é que estamos pondo em risco a formação de milhares
de estudantes!
Maria Angélica
Minhoto – Pedagoga e economista, doutora em Educação pela
PUC-SP. Professora associada da Educação da Unifesp. Coordenadora do
Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência, o Sou_Ciência
Pedro Arantes
– Arquiteto e urbanista, professor de História da
Arte na Unifesp e doutor pela USP. Coordenador do Centro de Estudos
Sociedade, Universidade e Ciência, o Sou_Ciência
Soraya Smaili
- Farmacêutica e professora titular da Escola
Paulista de Medicina da Unifesp. Coordenadora-geral do Centro de Estudos
Sociedade, Universidade e Ciência, o Sou_Ciência