O
educador Sal Khan, fundador da Khan Academy, diz que o modelo de ensino não
será o mesmo no mundo.
Nascido nos Estados Unidos em uma família de Bangladesh, o
empreendedor Salman Khan (ou apenas Sal Khan) é uma das referências mundiais
em educação.
Em 2008, depois de gravar videoaulas para seus primos, ele fundou
a Khan Academy. Com uma plataforma online, a organização sem fins lucrativos
disponibiliza conteúdo educacional sem cobrar nada.
Para isso, Khan conta com o apoio financeiro de instituições
filantrópicas, além de fundos de investimento, empresas e bancos.
Diante do desafio do novo coronavírus,
que deixou os estudantes longe das escolas, o educador disse em entrevista à
EXAME que o ensino mudará drasticamente daqui em diante.
A pandemia do novo coronavírus vai impulsionar o ensino à
distância?
A crise definitivamente acelerou o
uso da tecnologia e fez com que as pessoas se sentissem confortáveis em usar as
plataformas. Todos estão entendendo que a conectividade é necessária para a
vida. Se a crise durar vários meses ou até anos, o mundo será um lugar onde as
pessoas vão alternar entre relações presenciais e virtuais. Ferramentas
tecnológicas para a educação vão se tornar convencionais.
O senhor costuma dizer que a internet não substitui o ensino
tradicional. Como misturar os dois mundos?
Em uma aula tradicional de
matemática, por exemplo, há alunos que têm conhecimentos mais avançados e
outros não. Com a tecnologia é possível que cada aluno aprenda no seu tempo. Os
professores acompanham o desenvolvimento e preparam aulas presenciais
personalizadas para ajudar alunos com mais dificuldade.
No
Brasil, uma em cada quatro pessoas não tem acesso à internet. Como lidar com
esse obstáculo?
Essa precisa ser uma preocupação dos governos, de empresas
privadas e de companhias de telecomunicações. Fornecer infraestrutura de acesso
à internet não é barato. Em Nova York, dependendo da região, pode custar
bilhões de dólares. Mas é um custo baixo comparado ao prejuízo de não fazer
isso. É possível equipar um país como o Brasil com internet e computadores
gastando até 20 bilhões de dólares. Pode parecer muito, mas não é quando
comparado ao valor gasto em outras áreas. Levar conexão às pessoas não só eleva
a oferta acadêmica como também gera um impacto econômico.
Na
área da educação, o Brasil está no caminho certo?
Cada país tem seus pontos fortes e fracos. Sou otimista em relação
ao Brasil por causa das parcerias locais que temos no país. Elas nos permitem
crescer e auxiliar estudantes e professores.
De
que forma o uso de tecnologias como big data pode auxiliar na educação?
A análise de grandes quantidades de dados é útil se for utilizada
para impulsionar a qualidade de ensino e para personalizar o aprendizado,
acelerando a compreensão do conteúdo. É algo em que queremos investir. Mas é
preciso deixar claro que os dados não são usados de forma irregular nem são
comercializados. Essa é outra razão importante para atuarmos como uma
organização sem fins lucrativos.
O
que diria para os estudantes que começam a estudar agora?
Minha resposta é a mesma se fosse há 100 anos. Matemática, leitura
e escrita são tão importantes hoje como sempre foram. Talvez até mais
importantes. É necessário ter um pensamento crítico, que se obtém também com
álgebra e geometria. Com a internet, as pessoas devem ser capazes de ler e
processar cada vez mais informações, filtrando o que é real ou não. E precisam
saber se comunicar, seja por fala, seja por e-mail, seja por um texto num blog.
Nesse sentido, computação, finanças e direito ganham importância.
O
modo de ensino está ultrapassado?
Sim e não. Claramente funciona. Mas é um sistema que pode ser
otimizado para servir a mais pessoas. Já existe uma flexibilização de tempo e
espaço do ensino, especialmente nos mestrados e doutorados. A crise atual vai
colocar um holofote nessa necessidade.
Quais
serão os próximos passos da Khan Academy?
O objetivo é aumentar o tráfego, que cresceu 250% nos últimos
meses. Vamos adicionar mais conteúdo para que os alunos se atualizem mais
rapidamente quando voltarem à escola, e criar maneiras de as pessoas
continuarem estudando durante as férias e no período sem aulas presenciais.
E
quais são os desafios pela frente?
Há sempre mais a ser feito do que temos capacidade. Não buscamos o
lucro, então existimos à base de doações. O desafio é angariar recursos para
realizar todas essas coisas.
Fonte: Revista EXAME