Shenzhen, inovação que vem da rua


Cidade chinesa é um dos principais polos de hardware do mundo.


Funcionários trabalham na linha de produção da Foxconn, responsável pela produção dos iPhones, em Shenzhen, na China  

 

Na semana passada, esteve no Brasil David Li, um dos principais embaixadores da inovação que está acontecendo na cidade de Shenzhen, na China.

Para quem não conhece, Shenzhen é hoje um dos principais polos globais de manufatura de hardware do planeta. São testados, projetados ou fabricados lá 87% dos celulares (e vários outros aparelhos que usamos hoje). Incluindo os iPhones. Só que a cidade não foi sempre assim. Nos anos 1980, era apenas uma vila de pescadores. Quem vê as fotos dessa época não acredita que aquele lugar humilde tenha se transformado na megalópole de 11 milhões de pessoas onde não faltam arranha-céus. A cidade ganhou até o apelido de “capital dos gadgets”. 

David Li é uma das vozes importantes nessa transformação. Em 2010, fundou o primeiro espaço hacker chinês, chamado XinCheJian. Mais que isso, hoje dirige o Laboratório de Inovação Aberta de Shenzhen. Sua tarefa é conectar empreendedores de todo o planeta com o ecossistema de fabricação de hardware da cidade, capaz de realizar praticamente qualquer projeto (por mais louco que seja).  Em Shenzhen, é possível encontrar celulares que vêm de fábrica com sete caixas de som de alta potência instaladas no aparelho. O público-alvo? Trabalhadores da construção civil que gostam de ouvir música em volume alto enquanto trabalham. 

Ou ainda um celular que é ao mesmo tempo um fingerspinner (e custa US$ 7, por volta de R$ 26).  Ou um trator agrícola autônomo movido a energia solar e ultraleve, que usando uma câmera de vídeo e inteligênciaartificial identifica e elimina pragas da lavoura uma a uma, usando doses mínimas de agrotóxicos. 

No Brasil, David conversou, entre outros tópicos, justamente sobre as possibilidades de cooperação entre o setor agrário brasileiro e o desenvolvimento de novos equipamentos em Shenzhen.  A mensagem que ele geralmente costuma passar é que a inovação que vem sendo feita no Vale do Silício está concentrada em produtos que sejam capazes de agradar aos próprios habitantes do polo, transformando o mundo em sua imagem. 

Já David acredita que o futuro da inovação vem da rua. Ela precisa atender à realidade de cada país ou comunidade. Nas palavras dele (citando William Gibson): “A rua sabe encontrar seu próprio uso para as coisas”. Um exemplo é o celular Camom C8, que se tornou líder de mercado na África. Sua peculiaridade é uma câmera ultrassensível à luminosidade, com 13 megapixels, ajustada especificamente para fotografar a pele negra (capacidade que outras marcas de celular usualmente não incluem).

David menciona que essa característica foi incluída no produto não por ativismo, mas sim por força do mercado. O C8 passou a vender mais na África do que todas as grandes marcas globais. E, claro, os aparelhos são fabricados em Shenzhen. Entender Shenzhen pode trazer inúmeras oportunidades para o Brasil. Depois de David, nesta semana estará no país Stephen Wolfram, um dos maiores pensadores do planeta sobre inteligência artificial. Vale ficar de olho. E torcer para que essas visitas deixem boas sementes.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Fonte: coluna jornal FSP

 

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