Demonização
da área debilitou nossa capacidade de fornecer múltiplas interpretações.
"Quais os possíveis impactos das alterações
climáticas na gestão de uma carteira de investimentos?"
Esta foi uma das perguntas que 80 dos meus alunos tiveram que responder
recentemente no exame final da cadeira em finanças sustentáveis.
79 alunos, oriundos de todo o mundo, exímios em
cálculo financeiro, debruçaram-se sobre como o risco climático poderá impactar
o cálculo do Índice Beta.
Outros olharam para a história e mencionaram o
relatório Stern, um estudo encomendado pelo governo britânico sobre os efeitos das alterações climáticas na
economia global nos próximos 50 anos.
Alguns fizeram projeções de cenários
futuros. Vários fizeram uma diferenciação de acordo com a classe de ativos. A
maioria das respostas foi um repasto de sabedoria.
Mas a aluna que teve nota máxima foi a única
que respondeu que as alterações climáticas poderão, em alguns casos, não
impactar a gestão de ativos financeiros.
Utilizou todas as referências que
aprendeu na sala de aula para deixar as suas impressões digitais numa visão
contrastante e densamente argumentada.
Abdicou de ser um mero canal de
transmissão e passou a ser um veículo de emissão de informação original.
Pensou, não memorizou ou calculou.
Os alunos que terminam agora os seus estudos em
escolas de negócios mudarão de emprego, e possivelmente de área
profissional, 7 ou 8 vezes.
São a materialização de um mundo globalizado em
constante agitação.
Ao invés de treinarmos os alunos para memorizarem a
verdade, temos que inspirá-los a criá-la; em oposição ao cultivo de uma única
especialidade, temos que fecundar a sua capacidade de adaptação; para superar o
seu natural autocentrismo, temos que dar-lhes a oportunidade de experimentarem
as ansiedades de terceiros.
Conhecimentos STEM –Ciência, Tecnologia, Engenharia
e Matemática– continuam sendo fundamentais, mas o Fórum
Econômico Mundial destaca que entre as 10 habilidades mais valorizadas no
futuro estarão também a capacidade de analisar criticamente e de resolver
problemas; a capacidade de mostrar iniciativa, inovação e criatividade; e a
capacidade de ser flexível, tolerante e resiliente.
A demonização das Humanidades, iniciada com o Fordismo
do século 20 e agudizada ao longo do último século pela apologia à velocidade,
pelas respostas peremptórias e pontiagudas e pela robotização da produção,
debilitou a nossa capacidade de oferecer múltiplas interpretações para tornar
inteligível um problema complexo.
Valorizamos mais a aptidão para a resposta
pronta, aquela que estala da boca com hálito a ciência,
do que o virtuosismo de uma resposta multiforme.
Os mercados financeiro e corporativo precisam de
mais profissionais formados em Humanidades. Mas estes começam a escassear.
Nos
EUA, apenas 5,4% das graduações e 3.4% dos mestrados são dedicados às
Humanidades, segundo a OCDE.
Luxemburgo, França, Alemanha, Dinamarca e Itália
lideram este ranking, com percentagens que, ainda assim, não ultrapassam os
13%.
A humanização do mercado corporativo e profissional
pode conter um elemento moral que é, geralmente, alvo de vandalismo ideológico
e até partidário.
É também através desta lente que o mercado financeiro é
apresentado como um mecanismo de extração de valor e não de criação de riqueza.
Mas há aqui um aspecto utilitarista que precisa ser
considerado.
A passagem de graduados em Humanidades pelo mercado financeiro,
habitando-o, poderá possibilitar a melhoria do desempenho corporativo, mesmo
que interpretado da forma mais percentualizada possível.
Podemos treinar os alunos a calcular fórmulas de
desvio padrão para determinar o valor nominal do risco de um ativo.
Mas será
mesmo possível calcular o risco – de crédito, político, ambiental, social, de
governança – de uma empresa sem pularmos a cerca da equação matemática?
Podemos treinar profissionais para as linguagens de
programação Python ou Java.
Mas será que é possível criar tecnologia sem entender a
psicologia dos seus usuários ou sem explorar as dimensões éticas e culturais
que possibilitarão o usufruto dessa engenharia?
Novas tecnologias como Machine Learning e
Inteligência Artificial provocam questões fundamentais sobre o significado de
ser humano.
E para responder a essas questões precisamos de versatilidade
cognitiva, não de unilateralidade.
A bipolarização entre a Ciência e as Humanidades
não é benéfica nem para as Ciências nem para as Humanidades. Muitos conceitos
financeiros brotaram das Ciências Humanas.
O mercado de opções foi proposto
por Tales de Mileto, o pai da filosofia grega e um
homem de negócios.
A lógica da diversificação aparece no Talmude hebraico e no
livro bíblico de Eclesiastes.
O princípio da equanimidade do filósofo político
John Rawls foi adaptado à gestão de um portfólio de investimentos por Dan
Iancu, da Universidade de Stanford.
Em São Paulo, os 450 metros a pé que separam a
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade (FEA) são medidos em quilómetros por
quem frequenta ambas as faculdades.
Mas, nos EUA, a Universidade de Stanford e o MIT
–historicamente conhecidas pelo seu enfoque em engenharias e economia– estão
atualmente posicionadas nos dois primeiros lugares do ranking das melhores
universidades em Humanidades e Artes (Times Higher Education World).
O mundo
mudou e as universidades mudaram.
Também
dispararam as contratações de especialistas em ética, filosofia
e antropologia em empresas como Apple, Meta ou Alphabet.
Na Google, os projetos Oxygen e Aristotle,
iniciados em 2009 e em 2012, visaram analisar matematicamente todos os dados internos
disponíveis para identificar as qualidades que conduziam a um melhor desempenho
individual.
A
resposta: os melhores profissionais são aqueles que têm sentido crítico,
criativo e empático mais vincado.
Os estudos internos levaram a que contratação
de graduados em Humanidades crescesse como funções exponenciais duplas.
O
mundo mudou e as corporações mudaram.
RODRIGO TAVARES - Fundador e presidente do Granito Group; professor
catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado
Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017
Fonte: jornal FSP | 17/02/22