Há emprego que não vale a pena salvar, diz historiador Yuval Harari


A ficção científica está repleta de histórias sobre uma inteligência artificial que desenvolve consciência e parte para a destruição da humanidade. 

Na verdade, a ameaça é muito menos dramática, mas igualmente assustadora, de acordo com o historiador Yuval Noah Harari, que prevê desordenamento na força de trabalho, nos governos mundiais e na nossa vida emocional.

Harari criou uma base mundial de fãs com “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, em 2001. O best-seller questionava a interpretação convencional sobre a origem das espécies. 


Historiador Yuval Noah Harari, 43; ele acredita que a inteligência artificial e o

aprendizado de máquina podem incentivar sistemas de governo centralizados -

 

Em 2017 ele seguiu esse trabalho como “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”. Em “21 Lessons for the 21st Century”[21 lições para o século 21], publicado em setembro, o pesquisador israelenseoferece conselhos sobre como enfrentar as questões mais prementes do amanhã, da tecnologia da informação ao terrorismo.

Harari, 43, fala sobre quem deve sair ganhando e quem deve sair perdendo com a revolução da automação, sobre como a inteligência artificial poderia ajudar ditaduras a superar as democracias e sobre a ascensão de máquinas que demonstrarão mais simpatia do que os seres humanos.

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Não valerá a pena salvar a maioria dos empregos
“A revolução da automação fará com que muitos empregos desapareçam. A questão é se poderemos sustentar as vidas das pessoas e seu desenvolvimento espiritual e emocional sem esses empregos.
Muitos empregos —talvez até a maioria— que existem hoje não merecem ser defendidos.

O que precisamos proteger são os humanos. 

 

No sistema político e econômico atual, se você quer que suas necessidades básicas sejam atendidas e, para muitas pessoas, se você deseja que sua vida tenha significado e propósito, é preciso ter um emprego. 

Se fôssemos capazes de atingir esses outros objetivos sem um emprego, então seria desnecessário proteger muitos dos empregos existentes. Muitos empregos são difíceis demais, tediosos demais, insatisfatórios demais.

As pessoas os têm porque precisam, não porque seu sonho seja realmente trabalhar como caixa ou dirigir caminhões. 

Se você puder ser libertado dessas horas de trabalho, talvez seja capaz de desenvolver seu potencial humano de maneira muito mais plena. Nesse sentido, você estará se tornando mais humano.”
 
A automação pode aumentar a desigualdade mundial
“As pessoas que falam em renda básica universal em geralquerem dizer renda básica nacional. Acreditam que tributaremos o Google e o Facebook na Califórnia para sustentar mineiros de carvão na Pensilvânia e taxistas desempregados em Nova York. 

O problema verdadeiramente grande surgirá em lugares como Honduras ou Bangladesh. Você realmente acredita que o governo tributará as empresas e usará o dinheiro para desempregados em Bangladesh ou Honduras? 

Parece muito, muito improvável. E esse é o verdadeiro problema do desemprego. A revolução da automação tende a enriquecer algumas áreas e a destruir completamente a economias de outras.”


O robô YuMi, desenvolvido pela empresa suíça ABB, consegue analisar peso e diâmetro das embalagens de desodorante;

analisa 24 itens em cerca de 10 minutos, enquanto um humano gastava 40 minutos

 

A inteligência artificial centralizará o poder
“A democracia processa informação de maneira distribuída. Distribui informações e o poder de tomar decisões a muitas instituições, organizações e indivíduos. Ditaduras concentram toda ainformação e poder em um só lugar. 

Dada a tecnologia do século 20, isso era muito ineficiente. Ninguém era capaz de processar as informações em velocidade suficiente para a tomada de boas decisões, e essa é uma das principais razões para que a economia da União Soviética em geral fosse muito inferior à dos Estados Unidos. 

 

A inteligência artificial e o aprendizado de máquina podem conduzir o pêndulo na direção dos sistemas centralizados. Pense na revolução da genética. Os EUA talvez não sejam autorizados a criar um banco de dados médicos com informações sobre todos os seus cidadãos, por razões de privacidade e direitos humanos. 

Não seria um empecilho para a China, que pode criar um banco de dados genético nacional e incluir nele todos os seus registros médicos, educacionais e tudo mais sobre o povo do país. Isso poderia permitir grandes avanços na pesquisa genética.”

 

Nós nos adaptaremos a robôs simpáticos
“Quando você entra em um consultório, o médico não sabe como você se sente. Ele talvez tenha acabado de brigar com sua mulher e não esteja nem aí para você. 

Mas o médico de inteligência artificial monitorará o paciente por meio de sensores biométricos e saberá melhor até do que a pessoa se ela está incomodada, com medo ou irritada. 

O computador não tem mulher ou marido. Seu foco é dirigido 100% ao paciente, e o computador reage a este da melhor maneira possível, ou ao menos da melhor maneira que as teorias científicas atuais apontam.

 

Nós nos acostumaremos a essas máquinas maravilhosamente simpáticas. Nós nos tornaremos muito menos tolerantes com os seres humanos que não compreendem como nos sentimos —e tampouco ligam para nós.”

A vigilância não será completamente ruim
“Um cenário é que sensores biométricos de inteligência artificial sejam usados para vigiar as pessoas a serviço do governo e que o governo monitore aquilo que você pensa, faz e sente e o puna ou restrinja por qualquer coisa que contrarie a política ou as metas do governo. 

 

A mesma tecnologia poderia ser usada para vigiar o governo em seu serviço às pessoas, para garantir que todos os funcionários públicos estejam fazendo o que deveriam.

Você poderia vigiar a você mesmo, em seu próprio benefício. Todas as informações e compreensão sobre o que acontece dentro de você, em seu cérebro, poderiam ser usadas para permitir que você conhecesse suas fraquezas de uma maneira que não era possível no passado.”

 

Fonte: The Wall Street Journal

Traduzido por Paulo Migliacci 

 

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