Amígdala,
que associa estímulos a emoções, do cérebro de alpinista só reage a riscos
extremos
Eu confesso que entrei no cinema para
ver "Free Solo" porque sabia que Alex Honnold tinha chegado
ileso ao topo do El Capitan, a rocha emblemática do parque Yosemite, na
Califórnia. Já havia visto documentários de alpinistas vivendo ou contando
casos de escaladas catastróficas e conhecia muito bem minha reação durante o
vídeo: sacudir a cabeça em desaprovação, falar ansiosamente com a tela, xingar
os protagonistas com resmungos do tipo “óbvio que isso não era uma boa ideia,
imbecil”.
Alex Honnold escala o El Capitan, no parque Yosemite, na
Califórnia -
Mas o trailer prometia outra coisa: um rapaz pacato que
explicava candidamente por que seu objetivo era fazer as escaladas mais
difíceis sem corda, sem segurança, sem companhia; um cineasta, Jimmy Chin, que
avaliava sua decisão de filmar o amigo na escalada em questão, e as condições
que impôs à equipe de alpinistas-cinegrafistas que o acompanhou ao El Capitan
(nenhum comentário sobre os planos de Alex, manifestação de apoio ou
desaprovação, e sobretudo zero interferência durante a escalada); e muitas, muitas,
muitas horas de preparação.
A preparação é a parte mais fascinante da empreitada.
Tommy Caldwell, alpinista profissional, tomou a decisão difícil de ajudar o
amigo, escalando o trajeto dezenas de vezes na mesma corda para oferecer
segurança, enquanto o cérebro de Alex coreografava e memorizava cada postura,
colocação dos dedos, progressão dos pés ao longo da rota. Alex precisava da
dificuldade, e Tommy, que sabia ser a melhor pessoa para ajudá-lo, decidiu que
não poderia viver com a ideia de que Alex morrera por falta de preparação.
Do prazer de buscar coisas difíceis eu entendo. Quando
quis aprender a tocar violão clássico, meu objetivo não era tocar, mas sentir o
prazer de vencer a dificuldade, de conquistar o que parecia insuperável. Peças
fáceis não têm graça. Peças difíceis exigem treino, dedicação, e destreza para
colocar o dedo certo no lugar certo na hora certa com a força certa. O prêmio é
a sensação da conquista, que, se chega, é porque veio com o prazer do foco
absoluto, como na meditação.
A diferença é que, se eu erro, não morro.
A
amígdala do cérebro de Alex só se incomoda com riscos extremos, conforme uma
neurocientista constatou. O que deixa os outros com medo não faz nem cócegas na
amígdala de Alex. Se ele nasceu assim ou ficou assim, à força de muita prática
e autoconfiança, não importa. Ele faz o que os outros não fazem e é generoso o
suficiente para compartilhar a experiência da sua diferença.
Suzana
Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA)
Fonte:
coluna jornal FSP