Truculência
está no nosso DNA, por mais que se negue o óbvio.
Negamos até evidências que carregamos no sangue, nos genes.
Entre outras, que a metade da população nacional composta de negros (pretos e
pardos, na classificação do censo) tem origem num oceano de violência, não raro
sexual e mortal.
Não faltam estudos genéticos sobre marcas ancestrais da
escravidão, como os de Sérgio Danilo Pena. Em 23 de julho saiu mais um, de
Joanna Mountain, no American Journal of Human Genetics, reunindo a análise de
centenas de milhares de dados de DNA de dezenas de milhares de pessoas nas Américas,
na África e na Europa com registros de viagens e cargas de tumbeiros, os navios
do tráfico.
A comparação dos perfis genéticos de populações atuais dos dois lados do Atlântico, aliada aos dados históricos, permitiu remontar e, em
certos aspectos, confirmar origens e destinos de cerca de 12,5 milhões de
africanos arrancados de sua terra entre os séculos 16 e 19.
A mortalidade era enorme nos tumbeiros, como indica o
nome: estima-se que 2 milhões morreram no mar. Dos 10,5 milhões que chegaram a
portos americanos, metade desembarcou na América do Sul, e desta a grande
maioria no Brasil.
Há indícios, no DNA da população negra atual, de que a
violência aqui foi bem maior do que na América do Norte. A contribuição das
mulheres negras para o patrimônio genético presente no Sul foi 17 vezes maior
que a dos homens africanos; em terras norte-americanas, 1,5 vez.
Desigualdade racial no trabalho pelas ruas de SP
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Depois
de aproveitar a condição de suposto covidiano para turbinar a propaganda de hidroxicloroquina, Jair Bolsonaro usou sua última transmissão ao
vivo para incentivar desconfiança numa das pretendentes a vacina contra o novo
coronavírus.
O capitão reedita a lógica da campanha difamatória
movida contra o distanciamento social, medida sanitária de governadores de
oposição. Lança agora dúvida sobre imunizante a ser testado em SãoPaulo para promover uma concorrente não comunista, por assim
dizer.
Imagine agora o cenário pandemoníaco: a vacina “de Oxford” fracassa nos testes
clínicos, e a outra mostra que produz anticorpos suficientes para impedir a
progressão da Covid-19. É só uma hipótese, mas plausível.
Chegamos a esse ponto, uma vacina de direita e outra de
esquerda. Até que uma delas fique disponível para aplicação em massa, daqui a
muitos meses, a bolsosfera terá tempo de convencer até um terço da população de
que não deve deixar-se vacinar por conspiradores vermelhos.
A depender da eficácia do preparado imunizante e do
número de antivaciners verdes e amarelos, o Brasil de Bolsonaro pode não alcançar a sonhada imunidade coletiva. Nem o
rebanho dele, nem o nosso.
Mais pretos, mais velhos e mais pobres morrerão.
Não se deveria esperar menos de quem, aparentemente, já pode ter infectado seis ministros do seu
governo, um número desconhecido de seguidores e a própria mulher.
Marcelo Leite- jornalista especializado em ciência e ambiente, autor
de “Ciência - Use com Cuidado”
Fonte: coluna jornal FSP