No último dia 25 de julho, a Coordenação-Geral de Tributação da
Receita Federal do Brasil - RFB fez publicar no Diário Oficial da União a Solução deConsulta nº 354 – Cosit, na qual a autarquia posiciona-se pela
indedutibilidade das contribuições extraordinárias feitas a entidades fechadas
de previdência complementar - EFPC, sendo essas contribuições entendidas como
aquelas que se destinam ao custeio de déficit, serviço passado e outras
finalidades não incluídas na contribuição normal.
No atual cenário, em que muitos dos principais fundos de pensão
– denominação coloquial dada às EFPC – passam por processos de equacionamento
de déficits, o entendimento da Receita Federal traz impacto a centenas de
milhares de participantes e assistidos que fazem contribuições extraordinárias
para pagamento de déficits.
O argumento utilizado pela Coordenação-Geral de Tributação
sustenta-se na interpretação de que as contribuições dedutíveis são apenas as
normais, posto que o art. 4º da Lei nº 9.250/1995 assim dispõe: Art.
“Art.4º. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência
mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas:
(...)
V – As contribuições para as entidades fechadas de previdência privada
domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a
custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social.”
Assim, interpreta a RFB que por “contribuições destinadas a
custear benefícios” entenda-se “contribuições normais”, em vista do
que assevera o art. 19 da Lei Complementar nº 109/2001, que define que as
contribuições para EFPC classificam-se em:
“I– normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios
previstos no respectivo plano; e
II – extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço
passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal”
Muito embora numa interpretação gramatical se possa tender a
corroborar o entendimento exarado pela Receita Federal, se faz necessária uma
análise mais aprofundada da questão, à luz de princípios legais e, também,
atuariais, em razão da tecnicidade da matéria.
Princípio da legalidade em matéria tributária
Este princípio, que foi invocado pela RFB em seu parecer
constante da Solução de Consulta nº 354/2017, em verdade é um argumento que
pesa contrariamente à tese levantada pela autarquia. Isso porque, em momento
algum, a legislação tributária dispõe, de maneira expressa, que as contribuições
dedutíveis são apenas as normais. Como mencionado anteriormente, essa visão
decorre de uma ilação feita pela Receita Federal, interpretando-se a Lei nº
9.250 à luz das definições trazidas pela Lei Complementar nº 109.
Porém, se correlacionarmos dispositivos do mesmo diploma legal,
veremos que a ilação antes citada não é sustentável, uma vez que a intenção do
legislador, claramente, foi de aplicar a dedutibilidade a todas as
contribuições, como se vê ao analisar o art. 69 da Lei Complementar nº 109,
norma essa que, como já se evidenciou, classifica as contribuições entre
normais e extraordinárias:
“Art. 69. As contribuições vertidas para as entidades de
previdência complementar, destinadas ao custeio de planos de benefícios de
natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto
sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei.”
Quisesse o legislador ter restringido a dedutibilidade às “contribuições
normais”, é certo que teria o feito utilizando a expressão já definida no
próprio texto da lei. Como não o fez, deve-se adotar a acepção lato de “contribuições
destinadas ao custeio de planos de benefícios”, que não se confunde com “contribuições
normais”, como se demonstrará adiante.
Antes disso, vale mencionar que os “limites e condições
fixadas em lei” constantes ao final do art. 69 da Lei Complementar nº 109
foram determinados em 2004, pela Lei nº 10.887, que alterou o art. 11 da Lei nº
9.532/1997, como se vê:
“Art. 11. As deduções relativas às contribuições para entidades
de previdência privada, a que se refere a alínea e do inciso II do art. 8o da
Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e às contribuições para o Fundo de
Aposentadoria Programada Individual - Fapi, a que se refere a Lei no 9.477, de
24 de julho de 1997, cujo ônus seja da própria pessoa física, ficam
condicionadas ao recolhimento, também, de contribuições para o regime geral de
previdência social ou, quando for o caso, para regime próprio de previdência
social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do
Distrito Federal ou dos Municípios, observada a contribuição mínima, e
limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na
determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de
rendimentos.” (Redação dada pela Lei nº 10.887, de 2004)
Portanto, no referido dispositivo, não é citada a expressão “contribuição
normal”, mas sim “contribuições para entidades de previdência privada”,
novamente em sentido lato, de modo que os limites e condições necessárias para
a dedutibilidade são:
i)
o ônus da contribuição ser da pessoa física;
ii) haja o recolhimento, também, de contribuições ao regime geral de
previdência social ou para o regime próprio de previdência social;
iii) aplicabilidade do limite de dedução de 12% do rendimento bruto.
Estando as contribuições extraordinárias para pagamento de
déficit aderentes aos três requisitos elencados, estas devem ser objeto de
dedução, em estrita observância ao princípio da legalidade em matéria
tributária.
“Contribuições normais” versus “contribuições destinadas
a custear benefícios”
Para o entendimento do assunto em tela, é importante que se
tenha o conceito, a partir de princípios atuariais e legais, de “contribuição
normal”. Neste sentido, a Lei Complementar nº 109 foi infeliz na definição
dos tipos de contribuições, ao dizer que as contribuições normais são “aquelas
destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano” e as
extraordinárias são “aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço
passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal”.
Numa visão crítica dessas definições, o questionamento que se
faz é: as contribuições destinadas ao custeio de déficits não seriam, também,
destinadas ao custeio dos benefícios do plano? De forma inequívoca, a resposta
é: sim!
Fato é que o rol exemplificativo constante da definição de
contribuições extraordinárias contém uma impropriedade técnica. Afinal, o
déficit é decorrente do fato de o valor dos benefícios futuros prometidos pelo
plano (trazidos a valor presente) serem superiores ao valor das contribuições
futuras que o plano espera receber (trazidas a valor presente), estas
acrescidas do seu patrimônio atual. Logo, ao se verter contribuições para a
amortização de um déficit, está a se realizar contribuições para o pagamento
dos benefícios do plano, os quais, sem tais contribuições, não poderiam ser
pagos em sua integralidade. Trata-se de um simples conceito atuarial.
Conclusão
Analisando-se o assunto em questão tanto pelo ponto de vista
legal quanto pelo ponto de vista atuarial, tem-se que a solução dada à consulta
acerca da dedutibilidade das contribuições extraordinárias de déficits possui
impropriedades e poderá acarretar tributação adicional aos participantes e
assistidos de fundos de pensão em situação de déficit.
A invocação do princípio da legalidade em matéria tributária,
como feito pela Receita Federal do Brasil, mostrou-se inapropriada, uma vez que
o conjunto de leis que rege a matéria não dá guarida à exclusão das
contribuições extraordinárias para pagamento de déficit do rol de contribuições
feitas a entidades de previdência complementar que são dedutíveis.
Sob o ponto de vista atuarial, a necessidade de contribuições
extraordinárias para pagamento de um déficit decorre do fato de terem sido
vertidas contribuições normais insuficientes. Logo, esses tipos de
contribuições são complementares, não havendo como dissociá-las quanto à sua
dedutibilidade. Deveriam, portanto, tais contribuições serem somadas para fins
de cálculo do montante dedutível do imposto de renda de pessoa física,
limitando-se, sempre, ao patamar de 12% da renda bruta.
João Marcelo Carvalho – advogado e
atuário, possui MBA em Finanças pela Fundação Getúlio Vargas. É Diretor do
Instituto Brasileiro de Atuária - IBA.