Penhora do imóvel familiar


Vamos torcer que a penhora do imóvel familiar não vire lei

Permitir que um imóvel seja garantia de mais de uma operação financeira é abrir espaço para o superendividamento.

Geralmente, criticamos a lentidão dos processos legislativos, porque leis importantes deixam de ser aprovadas. 

No caso do Projeto de Lei 4188/21, do Poder Executivo, que institui o marco legal para uso de garantias destinadas à obtenção de crédito, bendita lentidão. Se o PL for aprovado integralmente, um mesmo imóvel poderá garantir diferentes financiamentos

E o imóvel da família poderá ser penhorado, caso garanta a hipoteca.

As ‘bondades’ embutidas no projeto do Executivo seriam facilitar o crédito e reduzir os juros de financiamento. Normalmente, alega-se que projetos assim sejam fundamentais para melhorar a vida do consumidor. 

Mas não melhoram necessariamente.

crise das hipotecas nos Estados Unidos, em 2008, decorreu do fato de o cidadão fazer empréstimos para comprar imóveis. 

E de julgar que várias dívidas, de vários financiamentos, seriam cobertas pelo valor dos imóveis. Isso gerou uma crise que, a partir dos EUA, afetou todo o mundo.

O crédito, portanto, é uma questão muito séria. 

Permitir que um imóvel seja garantia de mais de uma operação financeira é abrir espaço para o superendividamento. Afinal, empréstimo não é renda, e sim um compromisso assumido que deve ser respeitado.

Em um país que alterna graves crises econômicas, com ainda elevado índice de desemprego e redução do salário médio, esse risco é sempre muito grande. 

Ainda mais que a maioria das vagas de trabalho abertas nos últimos anos são informais. Ou seja, sem direitos trabalhistas.

Quanto à impenhorabilidade do imóvel familiar, é uma questão de sobrevivência. Muitas pessoas não avaliam os riscos do endividamento. 

São pródigas, e poderiam perder o único bem do núcleo familiar. Esse prejuízo não seria somente do adulto responsável pelo negócio, mas de todos os componentes da família, inclusive crianças, que ficariam sem teto.

É óbvio que temos de melhorar o mercado de crédito. Baixar os juros, então, é urgentíssimo. 

Mas fica difícil enxergar juros mais baixos no horizonte, enquanto os pacotes pré-eleitorais (eleitoreiros) aumentam os gastos e impactam a inflação, que continua nos dois dígitos anuais.

O instrumento mais recorrente de combate à inflação é o aumento da taxa Selic (básica de juros da economia), o que encarece o custo do crédito. 

E não se resolverá isso penhorando o único bem de uma família. Essa medida se assemelha à extensão do empréstimo consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil, que poderão comprometer até 40% de sua renda com este crédito.

O PL do presidente da República foi aprovado recentemente na Câmara dos Deputados, mas ainda não tramita no Senado. É melhor que nem seja votado.

MARCIA INÊS DOLCI - advogada especializada na área da defesa do consumidor.

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